quarta-feira, 27 de julho de 2022


 

 

ENNIO, o maestro

Existem os documentários chapa branca, chapa preta, este do Ennio é simplesmente chapa amorosa. Sim, uma declaração de amor, um reconhecimento para um dos maiores nomes, um dos maiores compositores da atualidade que nos deixou de maneira tão trágica e banal... Uma queda tirou o Ennio e a sua genialidade de nós. A música perdeu um expoente de rara grandeza,  o mundo ficou menos musical, mais pobre... O documentário que agora nos chega via 8 ½ Festa do Cinema Italiano a ser iniciado amanhã, dia 28 em 19 cidade brasileiras, com exatas 2h36, um luxo para um documentário e dirigido pelo não menos sensível e talentoso Giuseppe Tornatore(exigência do próprio Ennio) que nos deu o brilhante CINEMA PARADISO, não a toa, com música (inesquecível) do Morricone. Tornatore foi sábio ao não querer reinventar a roda, ou seja, optou por um documentário em ordem cronológica, e, enriquecido por citações do próprio Morricone, depoimentos de grandes nomes do cinema, ai incluso seus parceiros nos projetos, e cenas e trechos das partituras do manancial de trilhas que mudaram a história do cinema. Pronta a receita de um grande e obrigatório documentário que é uma festa para os olhos, ouvidos e almas atentas e sensíveis. Confesso que fui as lágrimas e levantei da poltrona ao final da projeção pensando: Os gênios deveriam ser (fisicamente) eternos... A obra do Ennio é eterna, desde que despontou, coisa de poucos, de gênios. Muito difícil não encontrar em sua vasta trajetória, trilhas ( Chegou a compor 20 por ano)  que fazem parte do nosso histórico, da  trilha sonora das nossas vidas. Ao longo deste delicioso documentário Morricone conta histórias, revela curiosidades dos bastidores, explica seu processo criativo, e, sobretudo, dá-nos uma lição de vida nos mostrando em cada citação porque sua obra é tão espetacular, eterna e seu incondicional amor a música. Iniciado em 2014 e finalizado em 2019, portanto um ano antes de nos deixar, as gravações ao longo desse percurso contaram com depoimentos de grandes nomes, para ficar em alguns, Quincy Jones, Bruce Springsteen, John Williams, Wong Kar Waim Tarantino, Clint , Bertolucci, Marco Bellocchio, Dario Armento, Leone... a lista é ampla e luxuosa... Fico a imaginar a maestria dos restante do conteúdo, sim o primeiro corte do documentário possuí 6h40, foi reduzido para 4h e finalizou nas 2h36,,, Já fico na torcida pela série... Morricone merece! Ver na tela grande fragmentos dos grandes westers cuja sonoplastia nunca foi a mesma desde as suas inovações, as deslumbrantes tomadas de A MISSÃO, que a princípio ele rejeitou fazer alegando que o filme seria belo demais e não carecia de sua música e a beleza e sensibilidade do inesquecível CINEMA PADISO, para ficar em alguns. Injustiçado pela Academia de Cinema, que num dos maiores erros preteriu A MISSÂO, premiando Herbie Hancock pelo excelente POR VOLTA DA MEIA NOITE, que pasmem, não se tratava de composição original como demandava a categoria. Recebeu um Oscar pelo conjunto de sua obra e quase uma década depois a parceria com Tarantino em OS OITO ODIADOS, finalmente lhe rende a estatueta, agora já desnecessária, sua genialidade há muita já havia sido sedimentada.   Assistir a esse documentário é de uma experiência singular, antes da aula de música é uma aula de vida. Morricone se foi mais sua obra há de permanecer viva e pulsante, além de fazer o mundo melhor faz dos nossos dias encantadores momentos de saudosismo, amor e poesia. Ouvidos sensíveis e atentas irão entender! 

Nos cinemas durante o festival italiano a partir de amanhã (28.07).

 

Ficha Técnica:

Título: ENNIO, o maestro

Direção: Giuseppe Tornatore

 

segunda-feira, 25 de julho de 2022


 

BOA SORTE LÉO GRANDE

 

BOA SORTE... é um daqueles filmes que nos surpreendem. Partindo de um roteiro com ideia, por vezes simplista, nos traz um leque de abordagens que surpreendes e nos fazem refletir. A premissa é simples: mulher sexagenária ao ficar viúva decide ter o orgasmo que nunca teve ao longo do casamento com o marido machista e conservador, para tanto contrata serviços de um garoto de programa bem mais jovem que ela. O que era para ser um simples encontro ganha dimensões inimagináveis. Com direção de Sophie Hyde e atuações irretocáveis de Emma Thompson e Daryl McCormack, o filme se passa em um único cenário: Um quarto de hotel. Falar da Emma é chover no molhado, atriz oscarizada, com grandes sucessos de público e crítica apostou pesado neste projeto e num ato de extrema generosidade se entregou inteira, uma vez que o roteiro dialoga com a realidade da esmagadora maioria de mulheres que viviam e ainda vivem a sombra dos homens, a finitude e o ato de envelhecer e se aceitar ou não em meio a repressões e um conservadorismo extremo e castrador. Emma se dá inteira e protagoniza seu primeiro nu frontal, de uma poética e beleza singular, não por acaso uma das cenas mais belas e tocantes do filme. Sua atuação é visceral e a química estabelecida com o Daryl é determinante, afinal temos aqui uma veterana e um iniciante em contraponto a seus personagens, onde ela é a iniciante e insegura e ele o veterano e experiente. A premissa estabelecida pelo roteiro a princípio nos leva a uma série de questionamentos e talvez, uma expectativa óbvia, o que a princípio é logo descartado, num ato contínuo, uma sucessão de surpresas. A princípio vemos uma Nancy insegura, amedrontada, com um misto de curiosidade, insegurança, arrependimento e um Léo educado, sedutor, além de belo e extremamente cuidadoso e munido de um discurso edificante e rico em colocações e cuidados. O roteiro inteligente cujos diálogos são de um tom feroz e cortante é um dos pontos altos do filme. Driblando o viés didático que geralmente é a tônica em diversas abordagens e uma possível armadilha recorrente, o que vemos aqui é construção de diálogos onde a tônica é de uma inteligência e uma naturalidade pouco vistos, fala-se de preconceitos, normas sociais, desejos reprimidos, liberdade sexual. Com sabedoria, o roteiro da Katy Brand foi escrito especialmente para a Emma, em mais um acerto de uma dobradinha que acerta do início ao fim. A atuação do Daryl é outro ponto alto do filme. Léo é belo, bem cuidado, educado, centrado, carismático e principalmente atento aos sinais emitidos pelo comportamento de Nancy, ele bate um bolão e surpreende. Ele não se aproveita da fragilidade dela, como se poderia supor, há uma comunhão de almas ali, há uma conexão de ambos que se transforma ao longo dos encontros num crescente amadurecimento. A cena da dança dos dois ao som de Alabama Shakes, a bela Always Alright,  é desde já uma das mais belas já vistas no cinema, de uma naturalidade e uma poética pouco vista. A luz branca e os tons pasteis da fotografia e do cenário é outro ponto positivo do roteiro. Não há luz quente, penumbra ou o que o valha, sempre recorrentes para criar clima de idealizado romantismo, aqui é tudo às claras, muito visível e até mesmo vibrante, assim como os figurinos que numa sacada inteligente vão ficando menos formais ao longo da caminhada dos dois e seu crescente conhecimento. Não arrisco dizer que é uma película voltada quase que exclusivamente para um público feminino maduro, o que não exclui o público masculino que muito terá a aprender e a refletir, como também mulheres jovens cujo amadurecimento as aguardam, e sabemos que muito ainda há de conservadorismo, hipocrisia e, sobretudo machismo tóxico. A trilha sonora é pontual e vai orquestrando cada encontro com nuances e sacadas pertinentes e certeiras. Não é prematuro dizer que essa seria mais uma das atuações da Emma indicadas e eleitas ao Oscar, o que talvez não ocorra, uma vez que o filme não teve estreia nos EUA, o que é uma pena, afinal o mundo anda carente como nunca de histórias bem contadas e amarradas e com conteúdo desse quilate, um alento em meio a tanta baboseira. Um pecado: o filme está sendo vendido como comédia romântica e está muito longe de sê-lo.

 

Ficha Técnica:

Títuço Original: Good Luck To You Léo Grande

Direção: Sophie Hyde

Roteiro: Katy Brand

Elenco: Emma Thompson, Daryl McCormack, Isabella Laughland

Em cartaz nos cinemas

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 20 de julho de 2022


 

PLUFT, O FANTASMINHA

Maria Clara Machado é desde sempre um referencial no universo infantil. A sensibilidade, a delicadeza e, sobretudo o respeito com que trata as crianças em suas obras é seu diferencial. Há, em vias de término, um folclore em torno das crianças e uma pseudo-ideia de que elas aceitam e digerem qualquer coisa, ledo engano... Criança é antenada, e as vezes muito mais exigente que um bando de adultos que conheço. A obra da Maria Clara prima por esse cuidado e inteligentemente é uma unanimidade. Cresci com a figura da Dirce Migliaccio que, junto com o Claudio Cavalcante e o Agildo Ribeiro, fizeram PLUFT  no século passado, lá pelos idos dos anos 60, a primeira versão para o cinema. Eis que agora nos chega essa nova versão, dirigida por Rosane Svartman, uma admiradora confessa da Maria Clara. Primando pelos cuidados e muita ousadia, Rosane foi longe e gravou PLUF na água. A ideia da flutuação e a a beleza que a água proporciona foi um desafio muito bem resolvido e, o resultado não poderia ter sido melhor, a produção é um exemplo em termos de efeitos e, principalmente criatividade nessa utilização, tendo portanto, um êxito espetacular no resultado. Essa é, portanto,  uma característica a parte que demonstra, assim como Clara, um cuidado especial para com as crianças, sim PLUFT é um filme feito para crianças. Ainda que a preocupação com retorno financeiro em função da bilheteria façam algumas películas objetivarem  agradar crianças e adultos, PLUFT é uma grata e rara exceção. Apoiando-se numa equipe de atores carismáticos e talentosos, uma história simples e sem maiores invenções, o filme é de uma simplicidade franciscana, da seu recado, surpreende as crianças e reverbera a mensagem tão necessária da Maria Clara. Gravado em piscinões, as imagens sofriam a retirada da água na pós-produção, treinamento dos atores que simulavam falar embaixo d´água e segurança máxima no set para um possível imprevisto...e, detalhe, nada bolhas de ar... Pensem no processo. Estão lá em excelentes atuações Fabíula Nascimento, Juliano Cazarré (que curtiu muito ser pirata) e Arthur Aguiar (antes do BBB) que ao lado dos atores mirins  Cleber Salgado (Pluft) e Lola Belli(Maribel) que oscilam momentos de encantamento e outros de admirável naturalidade, compõem um time harmônico e equilibrado. A história gira em torno dos amigos que saem em resgate a Maribel em poder do pirata e seu encontro e encantamento por PLUFT que reside no velho casarão com mãe. Uma bela fotografia, uma trilha sonora bacana de ouvir, um elenco inspirador e uma direção de inspirada amorosidade fazem de PLUFT diversão das melhores, as crianças vão adorar!

Ficha Técnica:

Direção: Rosane Svartman

Elenco: Fabíula Nascimento, Juliano Cazarré, Arthur Aguiar, Cleber Salgado, Lola Belli, dentre outros

Roteiro: Maria Clara Machado, Cacá Mourthé

Estreia nos cinemas em 21.07