PRISCILLA
Não foi fácil para Sofia
Coppola, reconhecidamente, um dos grandes talentos femininos na direção, tocar
o projeto Priscilla. Película baseada no livro Elvis and Me, versão de Priscilla Presley para conturbada e abusiva
relação com o ídolo. Ano passado tivemos o ELVIS do Baz Luhrmann com o Austin
Butler que praticamente incorporou Elvis e encantou o mundo. Não cabe aqui
comparações uma vez que cada nos mostra lados distintos de uma relação que
ainda guarda seus mistérios e dúvidas.
Em PRISCILLA, Sofia nos mostra o encontro e a conturbada e abusiva relação
que nos surpreende quando nos traz a luz um Elvis bastante diferente daquele
que nos acostumamos a ver sob as luzes da ribalta. Quando se conheceram
Priscila tinha 14 anos de idade enquanto Elvis 24. Ambos se encontravam na
Alemanha e Priscila uma jovem tímida, meio que assustada e longe das amigas em
virtude da mudança para Alemanha acompanhando a mãe e o padrasto militar. O universo das mulheres
solitárias, sofridas e sem voz há muito já rondava os projetos de Sofia, e
Priscilla guarda suas similaridades, levando-se em conta suas devidas proporções,
claro. A narrativa é centrada completamente
em Priscila, que aqui nos dá sua versão dos fatos. Após se conhecerem, Elvis na
maratona de gravações de películas cinematográficas e shows, a timidez e o
recatado modo de se comportar encantam o ídolo que a partir daí passa a viver
uma vida dupla: As aventuras em meio aos shows e gravações regadas a affair com
grandes figuras femininas da época, e uma espécie de lado B ao lado de Priscila
que passa a viver com ele numa elaborada versão de contos de fadas até o
casamento, frise-se aqui; Priscila se manteve virgem até o casamento, numa espécie
de imposição do astro que em meio a tentativas dela sempre se recusava alertando-a
que ainda não era hora, mantendo assim uma espécie de pacto velado com sua família.
Priscilla tornou-se uma espécie de pássaro engaiolado que vivia a sombra do
ídolo, numa mansão sob o controle de sua equipe e de seu rígido controle, a
saber, que roupa usar, como se comportar, que cor do cabelo adotar entre outras
determinações. Já mergulhado no universo de drogas analgésicas, a relação beira
uma rotina espartana deixando margem a vários questionamentos: Seria um
projeto? Numa relação tóxica, Priscilla aguentou até os vinte e sete anos
quando arrumou as malas, apanhou a filha e saiu da mansão para nunca mais
voltar. Não li o romance que Sofia se
baseou para de lá tirar o roteiro, portanto, a questão de adaptação passa longe
de minhas percepções, Priscilla no entanto é uma narrativa melancólica,
sombria, onde até a própria paleta de cores usada dialoga com a situação
explicitada na tela, é de um marrom por
vezes acinzentado e escurecido, onde na maioria das vezes o rosto do Elvis
encontra-se numa penumbra claramente intencional, atitude assertiva, uma vez que
o protagonismo ali agora é da Priscilla. Ao contrário do Elvis que vimos ano passado, seu lado B aqui
mostrado com rara sensibilidade e cuidado pela Sofia é atormentado, algumas
vezes violento e o tempo todo tentando nos passar um comportamento apaixonado, sensação
que a película não chega a determinar. Um dos pedidos de Pricilla a atriz que
magistralmente a representou foi que deixasse óbvio que existia amor. Talvez da
parte dela em maior intensidade.
A atuação dos atores é convincente,
Cailee Spaeny nos brinda com uma Priscilla sob medida e surpreende entrando
desde já na galeria das grandes performances. Driblou e evitou as armadilhas do
falso e caricato. Já o Jacob Elordi também fez uma boa lição de casa, afinal,
depois da exuberante atuação do Butler (no Elvis), o risco das inevitáveis comparações
seria uma grande armadilha, ainda que ambos estejam em abordagens completamente
distintas, aqui o Elvis intimista e nos bastidores tem outra pegada. A produção
é assinada pela própria Priscilla Presley, o que pode gerar uma suposta
narrativa biográfica “chapa branca”, que inclusive não foi bem aceita pela única
filha do casal. Lisa (falecida recentemente) que inclusive vetou a utilização
das músicas do Elvis, era conta o projeto e alegou o desejo de velariza-lo, o
que de fato não aconteceu, afinal tira-lo do protagonismo e inseri-lo no
universo narrado por Priscilla não teria necessariamente esse viés. Ver
Priscilla é um exercício, uma experiência singular onde o talento e a
sensibilidade da Sofia é, mais uma vez ratificada. As tomadas iniciais, onde os
objetos são mostrados, são de um lirismo exemplar. A reconstituição de época
beira a perfeição, assim como o cuidado em não cair no drama exagerado é outro
exemplo de que seu desejo foi mostrar os fatos, a versão de uma mulher sufocada
e controlada, os bastidores de uma vida regada a glamour e exuberância, que nem
sempre nos reserva um final feliz.
Sofia Coppola se firma
mais uma vez como uma diretora de raro apuro técnico e detalhista aliado a uma
extrema sensibilidade ao adentrar mais uma vez o universo feminino, sutilmente
desconstruindo o mito Elvis Presley.
Estreia nos cinemas em janeiro.
Ficha
Técnica:
Título: Priscilla
Direção:
Sofia Coppola
Roteiro
Adaptado: Sofia Coppola
Elenco:
Cailee Spaeny, Jacob Elordi, entre outros