quarta-feira, 24 de janeiro de 2024


 

POBRES CRIATURAS

 

É um daqueles filmes produzidos para surpreender e impactar... Os conhecedores do cinema do Yorgos Lanthimos (o diretor maluco no conceito de muitos) que, para os menos avisados, já nos deu A Favorita  (premiando a Olivia Colman com o dourado de melhor atriz) sabem disso... Quase um especialista em dirigir atrizes em papeis complexos e bem desenhados que por sua vez revelam atrizes não menos complexas e talentosas... Em Pobres Criaturas Emma Stone brilha como nunca e possivelmente nos brinda com sua melhor e mais visceral atuação até aqui... O roteiro, inspirado no livro homônimo de Alasdair Grey  (que de cara nos remete a Frankestein ) pode ser assim resumido: A história de Bella Baxter, uma bela mulher que é trazida de volta a vida através de experimento do excêntrico doutor Godwin Baxter (Willem Dafoe) que lhe implanta o cérebro da criança que ela trazia no ventre... Bem, fiquemos aqui para evitar spoilers... Com o trio de atores de primeira linha, a saber: Emma Stone, Mark Ruffalo e Willen Dafoe, Yorgos traz um roteiro ousado e complexo que com a atuação da Stone se agiganta.. O primeiro terço do filme em P&B nos oferece experiências singulares, a começar pela lente utilizada, uma fisheye, popularmente conhecida como olho de peixe que nos permite um ângulo de visão de 180° , cujos efeitos são únicos e espetaculares. Junte-se a isso um cenário grandioso, um figurino excêntrico e inusitado e uma sonoplastia potente.... Está fechada a equação! O longa segue nos conduzindo pelos caminhos das descobertas dessa mulher que, com o cérebro infantil, escandaliza, questiona e brilha em meio aos usos e costumes, isso passando por vários lugares, dividindo a narrativa numa espécie de capítulos... Está tudo lá, noções de caráter, costumes sociais, verdades, mentiras... e sexo... Muito sexo... Aqui o ponto alto do roteiro surrealista são as abordagens cruéis muito presentes hoje na nossa sociedade, como o machismo,  a misoginia e o elitismo, um prato cheio harmonizado pela bela fotografia e sonoplastia,  que nos é servido com requinte.  Uma mulher descobrindo o sexo e o mundo, devastando um machismo que, infelizmente ainda impera até os dias atuais...  Poucas atrizes se deixariam expor tanto em nome de um personagem tão enigmático... Stone o faz com louvor... Cada olhar, cada passo, cada sussurro... tudo é cuidadosamente bem elaborado... A evolução dessa criança em corpo de mulher dos primeiros minutos até o final do filme é de uma pertinência, de um cuidado e de um equilíbrio que beira a perfeição... Os mais atentos aos pequenos detalhes entenderão...Willen Dafoe um grande e talentoso ator, mas que não goza lá de muito prestigio entre seus pares, nos brinda com um cientista deformado e visionário mas de uma sensibilidade e carisma em algumas cenas pontuais que encanta... Tudo na narrativa é grandioso e por vezes nos traz a sensação do escatológico, um escatológico no entanto, elegante e pertinente... O ponto de vista é tudo, e a dosagem estabelece e alinha o risco do exagero que compromete e diminui... Yorgos evita as armadilhas com sabedoria, coisa de grandes diretores... Um dos grandes filmes do ano, Pobres Criaturas é desde já, um clássico, óbvio que, muito por conta da visceral atuação da Emma Stone, que, vamos combinar: Só não leva o douradinho pra casa dia 10 de março se as questões de cota e do desenfreado desejo de diversificar em detrimento da escolha dos melhores, uma cobrança que vem atingindo a academia, imperar,  fazendo da premiação um grande celeiro para uma pulverização onde politicamente(para ser correto) todo mundo sai alegre e feliz...

Estreia nos cinemas próximo dia 24.01

Ficha Técnica:

Título: Pobres Criaturas

Direção: Yorgo Lanthimos

Roteiro: Alasdair Gray

Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willen Dafoe, Christopher Abbott

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024


 

MERGULHO NOTURNO

 

Jogador de beisebol é forçado a se aposentar por doença degenerativa muda-se para casa com piscina com a mulher e um casal de filho. A piscina que misteriosamente aos poucos vai revertendo a doença lhe trará surpresa inimagináveis... Dos mesmos produtores dos mega sucessos CORRA e FRAGAMENTADO, dirigido e roteirizado por Bryce McGuire (estreante no circuito de longas) que conta com um elenco em atuações equilibradas, beirando o exemplar não empolga, nem assusta, as vezes nos faz rir. Há uma certa confusão nas abordagens da frouxidão de um roteiro que promete um clima de tensão e terror que, infelizmente o filme não consegue atingir.... As criaturas que surgem do lodo da piscina são de uma produção fraca e de mal gosto, a impressão que nos passa é de um amadorismo apressado e mal-acabado... A fotografia nos salva em alguns momentos com efeitos medianos que a água proporciona, uma espécie de compensação pelos equívocos (e são muitos) nos brindados pelo filme. O longa que se inicia com um arco dramático bem construído, a história da família, o amor incondicional da esposa e os atritos normais e batidos entre os filhos adolescentes poderia até funcionar caso sua evolução nos levasse a um verdadeiro clima de terror, e não a efeitos pífios beirando o filme B. Não fosse atuação do elenco, aqui equilibradamente bem e fazendo um esforço grande para evitar um tiro no pé, tarefa comprometida pela falta de um viés de terror bem construído e figuras fantasmagóricas mal construídas, o que de certa forma compromete até o filme como entretenimento.

Nos cinemas a partir de 18 de janeiro

Ficha Técnica:

Título: Mergulho Noturno

Direção e Roteiro: Bryce McGuire

Elenco: Amelie Hoeferle, Bem Sinclair. Eddie Martinez, entre outros

 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024


 

SEGREDOS DE UM ESCÂNDALO

 


Pense num filme surpreendente, que ancorado num tripé de atores excepcionais e com direção certeira e cirúrgica consegue prender a atenção sem viradas mirabolantes, dramas rasgados e até mesmo excesso de romantização na história …
Gracie (Julianne Moore)  é pega fazendo sexo com um garoto 23 anos mais jovem (ele tem apenas 13 anos de idade )… É presa, da luz na prisão , volta para a convivência com a sociedade e casa com o garoto … Eis a espinha dorsal do filme, que vinte anos depois, com filhos crescidos e vida aparentemente estabilizada recebe a atriz que fará seu papel num filme que contará essa inusitada história. Elizabeth ( num momento sublime de Natalie Portman ) chega à casa de Gracie  e inicia sua pesquisa, entrevistando desde a própria a todas as pessoas que direta ou indiretamente participaram da história … Fica difícil mensurar quem brilha mais, se Natalie ou Juliane Moore em mais uma de suas sublimes atuações … Frise-se aqui que Joe, o garoto, personagem de um inspirado Charles Melton não fica atrás … compondo um atormentado adulto que estacionou na infância e mediante a tudo vivido, fechou-se em si mesmo numa espécie de submissão a uma Gracie autoritária e manipuladora … Num misto de mãe dedicada e esposa exemplar, o roteiro pontua em pequenos detalhes o poder manipulativo desta mulher que seduziu o garoto, com ele se casou e agora recebe essa estranha (a atriz) que com sua pesquisa desperta monstros adormecidos … A dedicação e a compulsão de Elizabeth na pesquisa de composição de seu personagem é um espetáculo à parte… Ela absorve trejeitos, muda o andar e numa espécie de incorporação rouba a cena … Difícil estabelecer entre as duas, em se tratando de atuação, quem é a protagonista e quem é a coadjuvante … na minha opinião, ambas protagonistas … A atuação de  Charles Melton   apesar de ser um ator jovem e sem grandes papéis em atuações anteriores, não fez feio e bate um bolão com as duas …Consegue construir um Joe introspectivo que em suas inúmeras camadas nos dá uma noção,  ainda que velada, dos tormentos de um jovem vítima de abuso que se deixa embalar em nome de uma pseudo história de amor e que, de uma hora pra outra ver seus tormentos aflorarem … É bela, determinante e reveladora a cena com o filho no telhado… em poucos minutos os papéis se invertem e a ficha começa a cair … É um filme bem construído, ancorado num roteiro bem elaborado  que,  com uma direção sabia e segura, evita as armadilhas que dramas do tipo fatalmente sucumbiriam, se tornando um dos grandes filmes do ano … Interessante também é abordagem que é feita da construção de um personagem, onde uma atriz é convidada a viver na tela as agruras do pivô de uma história, cujos personagem que a compõe em carne e osso vivem uma realidade abraçada e veladamente pacata e de repente é obrigada a sacudir um tapete que por anos acumulou toda ordem de detritos … Até onde vai esse envolvimento, essa determinação que beira o doentio em caprichar nesta construção … uma lição de casa para atores … mais um mérito do filme …
Ver três atores em seus melhores momentos batendo um bolão é um programa de primeira … Não esquecendo aí a trilha sonora que, pontua com acerto e sem exagero cada cena, como uma espécie de personagem da trama, nos brindando com uma crescente tensão  e pertinência equilibrada emoldurando as cenas, uma espécie de conjunto de escadas onde os atores sobem e descem com espetacular elegância. O roteiro se baseou numa história real, acontecida na década de 90, com algumas licenças poéticas que em nada alteraram seu conteúdo e a importância de refletirmos sobre assunto tão recorrente e pontual.

Entenda o porquê do título original May December:

Na Idade Média, os meses de primavera eram frequentemente retratados na literatura como mulheres jovens, enquanto os meses posteriores de inverno eram frequentemente retratados na literatura como homens velhos. Isso foi escrito antes da aceitação do calendário gregoriano, que estabeleceu dezembro como o último mês do ano, portanto, versões atualizadas frequentemente mudam seu nome para “Sr. Dezembro”. E assim nasceu a expressão “maio dezembro”, uma expressão abreviada para indicar uma grande diferença de idade entre casais românticos. Esta é a fonte do filme.

 

Estreia dia 18 de janeiro nos cinemas

 

Ficha Técnica:

Título Original: May December

Direção: Todd Haynes

Roteiro: Samy Burch

Elenco: Natalie Portman. Julianne Moore, Charles Melton