terça-feira, 9 de abril de 2024


 

A PAIXÃO SEGUNDO  G.H.

 

Em 2020. Em plena pandemia, coordenei um projeto em homenagem ao centenário da Clarice Lispector (10.12.1920 – 0912.1977). Projeto audacioso, além de adentrar o universo de uma escritora tida como hermética, no entanto uma das escritoras mais buscadas na internet, reunia artistas do Brasil e do exterior...  Um desafio que acabou por se tornar um alento, uma das poucas coletivas em cartaz em meio a pandemia... Um sucesso! Adentrar o universo desta mulher gigante, escritora espetacular foi um deleite... Eis que agora nos seja ao cinema uma adaptação de sua obra mais instigante: A PAIXÃO SEGUNDO G.H. livro tido pela crítica especializada e por seus leitores (e não são poucos) como “infilmável”. Luiz Fernando Carvalho bancou o desafio e nos brinda agora, quase 6 anos depois de iniciado seu processo, com um dos mais belos, poéticos e deslumbrantes filmes já produzido em todos os tempos... Contando com a participação de Maria Fernanda Cândido ( a sensação que se tem ao ver o filme é que não haveria outra que não ela a fazê-lo com tamanha propriedade) a história da mulher de classe média-alta que, após a demissão da empregada, embrenha-se no quarto dela, vazio, onde um desenho  na parede e um colchão em princípio de decomposição, questiona sua vida, seus traumas, suas incertezas e suas visões de mundo. Um belo, caótico, filosófico, poético e reflexivo monólogo que, a partir de determinado momento passa a dividir com uma barata, literalmente devorada em seu momento de clímax. Adaptar essas reflexões, tornando-as acessíveis, sem didatismo e preenchendo seus 126 minutos, prendendo nossa atenção, é por assim dizer, uma tarefa hercúlea em meio a tempos tão velozes e imediatistas de narrativas fáceis e leituras curtas. Carvalho o faz com propriedade. Clarice é dona de uma narrativa cortante, por vezes de frases curtas e impactantes (A internet está abarrotada delas, mas cuidado, muitas “fake” também) as reflexões são pontuais e atuais, portanto, uma mulher à frente de seu tempo, constrói a narrativa no século passada, precisamente na década de 60, mas suas inquietações poderiam tranquilamente ser fruto de uma realidade atual, contemporânea, o que a torna uma narradora atemporal(ao ver o filme desejamos tomar notas de citações forte, cortantes e definitivamente poéticas) ... Estão lá questões de conflitos de sentimentos, preconceito, espiritualidade... Uma sucessão de questionamentos e reflexões que nos inquieta. Sábio, Carvalho buscou uma trilha sonora pertinente, elementos de cena que compõem o cenário e sinalizam informações acerca da época, um achado. A atuação da Maria Fernanda esta irretocável. Seu potencial cênico apoiado num belo trabalho de corpo, potencializado pelos closes e expressões faciais são os pontos altos da narrativa, ali vemos os melhores condutores das inquietações da Clarice. Atriz de várias faces, Cândido tem no porte físico seu aliado, especificadamente neste caso, na composição de uma personagem em conflito e ainda assim avassaladoramente sedutora como G.H. Não são poucas as vezes que vi nela a imagem de Clarice... Um primor.

A outra atriz em cena, que faz Janair, a Samira Nancassa tem uma participação efetiva reduzida, mas é de sua responsabilidade, o que a torna grande, os disparos de gatilhos que atormentam G.H.. É sua saída que desencadeia a mudança comportamental, os questionamentos e inquietude, um ser até então (como muitos) invisível na narrativa de Clarice que neste contexto crava a presença de Janair mesmo em sua ausência, no desenho (a carvão) na parede do quarto. Um sinalizador inteligente e carregado de significados. Aí reside mais uma das sacadas de gênio:  Clarice ainda encontra brecha para, numa narrativa intimista, abordar questões sociais.  Um belo e poético filme que pontua os 60 anos de lançamento do romance, como também uma bela e arrojada homenagem após o seu centenário. Fazendo coro com uma amiga recente que ganhei por ocasião da homenagem ao centenário de Clarice, a Nadia Gotlib, respeitada biografa da Clarice, concluímos: é uma adaptação que já nasce clássica e que nos surpreende na medida em que no momento da leitura nos questionamos a real possibilidade de uma adaptação que lhe faça jus... Carvalho conseguiu com louvor. E do alto de sua generosidade em suas declarações outorga Maria Fernanda como coautora do filme. O que vamos combinar, é de verdade absoluta e inquestionável!

Em cartaz nos cinemas a partir de 11.04

Ficha Técnica:

Título: A Paixão Segundo G.H.

Direção e Roteiro: Luiz Fernando Carvalho

Elenco : Maria Fernanda Cândido, Samira Nancassa

 

quinta-feira, 14 de março de 2024


 

Uma Vida- A história de Nicholas Winton

 

Nicholas  Winton vem de uma família judaica,  que imigrou  para o Reino Unido e nesse processo se converte ao cristianismo. Humanitário, Nicholas ficou conhecido como o “Schindler britânico”. É exatamente um recorte da trajetória deste homem que o diretor James Hawes nos traz em seu longa Uma Vida- A história de Nicholas Winton. Filmes que retratam um período do Holocausto e suas consequências já foram feitos a exaustão, apesar de ser mais um deles, no rol do espetacular e imbatível, até aqui A Lista de Shindler, do Spielberg, Uma Vida se destaca entre estes pela força de seu poder narrativo e pela bela e humana atitude num período tão conturbado da História ali retratado. A história se passa em 1938, durante a segunda Guerra Mundial quando Nicholas está em férias em Praga, horrorizado com a situação em que viviam as famílias ali por conta da influência da Alemanha nazista que logo seria ocupada pelas tropas comandadas por Hitler. Compadecido com a situação, o bem relacionado Nicholas e seu grupo de amigos inicia a retirada de crianças, levando-as para a adoção na Inglaterra, evitando assim que um bom número delas fosse encaminhado aos campos de concentração. Com essa atitude humanitária, mas delicadamente trabalhosa e perigosa, resgatou com sucesso 669 crianças e frustrou-se ao ver o último trem que levaria mais 250 ter a missão frustrada ao ser interceptada pelos nazistas. Impedidas de cruzar a fronteira da Polônia essas crianças perderam a vida nos campos de concentração. Contando com uma fabulosa reconstituição de época, uma fotografia em tons sépia e trilha sonora sob encomenda, arrastada e sofrida, concebida para arrancar lágrimas, Uma Vida conta com um equilibrado elenco, onde Anthony Hopkins,  vivendo Nicholas, nos brinda com uma das grandes atuações de sua carreira, ao lado de Johnny Flynn (Emma), Helena Bonham Carter (Enola Holmes), Samantha Spiro (Sex Education) e Jonathan Pryce (Game of Thrones), todos bem no dever de casa. É uma narrativa densa, com grandes momentos (a cena final compensa todo o resto) mas que indiscutivelmente nos deixa uma sensação de que poderia ter sido melhor. Não há como conter as lágrimas ao final, assim como também, se emocionar a exaustão com a atuação do Hopkins, um monstro que da altura dos seus oitenta anos ainda atua com precisão e mantêm com seu olhar cortante e certeiro sua marca registrada. Talvez um roteiro mais burilado e bem amarrado em meio as cenas de tensão e grande emoção nos deixasse uma sensação mais profunda de dor e pesar ao testemunharmos em tela, ainda que, mais uma vez, o recorte de um período tão vergonhoso e cruel da história. A narrativa é uma lição de amor ao próximo e muita humanidade!

A partir do dia 14 nos cinemas

Ficha Técnica:

Título: UMA VIDA: A história de Nicholas Winton

Direção: James Hawes

Roteiro: Lucinda Coxon e NicK Drake

Elenco: Anthony Hopkins, Johnny Flynn, Helena Bonham Carter, Samantha Spiro , Jonathan Pryce

 

 

 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024


 

 

DUNA – Parte 2

 

Desde os tempos mais remotos que as grandes obras tem por grande premissa uma vingança, a vaidade, a sede de poder, a superioridade... Desde o mais adocicado romance ou a mais insensível ficção... A história de DUNA vem da primeira versão equivocada para muitos de 1984, com direção de David Lynch, passando pelo pela parte um em 2021 e a  deslumbrante segunda parte agora em 2024, ambas dirigidas com louvor por Denis Villeneuve, o cineasta franco-canadense que já nos brindou com Um Homem Duplicado, Incêndios e o aclamado Blade Runner 2049, para ficar em alguns de seus maiores êxitos... Confesso que um dos grandes filmes da minha vida é Blade Runner, o que me deixou em expectativa ao esperar a versão do Villeneuve, e por coincidência, a narrativa que me fez colocá-lo no altar de meus cultuados diretores. Depois da decisão do estúdio em postergar o lançamento, DUNA Parte 2 previsto para ser lançado anteriormente em novembro, onde se firmaria como um dos grandes lançamentos de fim de ano, baseado num dos grandes e queridos clássicos de ficção, nos chega agora... E como valeu  espertar!!!! A continuação da primeira parte de 2021 nos traz a busca de Paul Atreides pela vingança contra os conspiradores que destruíram sua família, Antevendo uma guerra santa em seu nome, mergulha numa jornada espiritual e mística com boa dose marcial, onde até mesmo o amor de sua vida é posto em xeque... Neste universo as questões familiares são o grande mote deste roteiro bem construído e conduzido. Apoiado num elenco de primeira, um roteiro exemplar e uma trilha sonora que somada a fotografia são o grande destaque da narrativa, Villeneuve nos presenteia com um dos melhores filmes de todos os tempos... Esqueça a primeira parte, esse DUNA 2 é infinitamente maior e melhor... O apuro técnico e estético do diretor já ficou patente em grandes produções, a exemplo de Blade Rumnner 2049, pois ele aqui consegue superar e alcançar mais excelência e primor... A montagem é um espetáculo a parte, a trilha sonora Hans Zimmer, figurinha carimbada, um gênio, autor de grandes e expressivas trilhas, inclusive já disponível nas plataformas digitais desde o último dia 23. Com suas duas horas e quarenta e seis minutos, seus últimos dois terços são tão eletrizantes que em nada compromete o tom meio lento e didático dos seus minutos iniciais... As atuações são outo aspecto a se ressaltar. Timothee Chalamet nos dá aqui uma de suas melhores atuações mostrando progressivo amadurecimento, fato que vem senso notado na sequência de suas últimas atuações...  Sua companheira de cena Zendaya também não fica devendo, tem atuação brilhante e impactante num bate bola muito bacana. O trabalho do Villeneuve é impecável, desde a direção dos atores as grandes sequencias de batalhas seu apurado cuidado com os detalhes, os elementos de cena e, principalmente o rico e criativo figurino são outros grandes méritos do filme. Outro grande quesito a ser considerado é o som. Assistir DUNA numa sala IMAX é uma experiência singular, uma imersão na tela pouco vista... Uma acertada sacada para envolver e encantar cada espectador ao extremo. Impossível desviar a atenção nestas quase três horas de puro encantamento, que, diga-se de passagem, acontece num cenário inóspito, certamente em mãos menos talentosas sucumbiriam ao tédio em poucos minutos.

Aclamado desde já como obra prima, inclusive desbancando ficções como Stars Wars, 2001, Alien, Matrix, entre outros, DUNA 2 chegou e já se firmou como queridinho da crítica especializada, inclusive obtendo 97% no Rotten Tomatoes, site que se tornou principal referência na avaliação crítica de obras audiovisuais utilizando um sistema de pontuação que compila avaliações de críticos profissionais, o que não é pouca coisa para uma produção que acaba de estrear. VILLENEUVE nos mostra aqui que filmes feitos para serem blockbusters, ou na melhor das hipóteses, entretenimento, quando bem elaborados podem ser artísticos, assim como também possuírem conteúdo com assuntos pertinentes e necessários para o público a que se destina, como fez com essa obra inigualável de viés artístico singular.

Nos cinemas a partir de quinta!

Ficha Técnica:

Titulo: DUNA Parte 2

Direção: Denis Villeneuve

Roteiro: Denis Villeneuve e Jon Spaihts

Elenco: Timothé Chalamet, Zendaya, Rebecca Fergunson, Christopher Walken , Charlotte Rampling, Austin Butler, entre outros

Trilha sonora: Hans Zimmer