quinta-feira, 25 de novembro de 2021


 

DESERTO PARTICULAR

Aly Muritiba (Baiano de Mairi) já nos deu Ferrugem (um necessário sôco no estomago) e Para Minha Amada Morta. Agora, num salto imenso em sua trajetória, nos traz DESERTO PARTICULAR, um tributo ao encontro de almas em forma de poética narrativa onde dois seres de universos distintos e fisicamente afastados, se apegam um a outro numa espécie de tábua de salvação...   Daniel é policial e envolvido num crime, vive afastado da corporação sua vida se resume a cuidar do pai, banhos e troca de fraldas geriátricas passam a ser sua rotina e, como respiro a troca de mensagens com Sara... Da noite para o dia Sara deixa de corresponder... Daniel num impulso deixa tudo e sai a sua procura no nordeste, mais precisamente em sobradinho... O encontro com Sara vai lhe trazer uma grande revelação e mudará por completo sua vida... Mantenho minha narrativa a respeito do roteiro até ai, é preciso que o fator surpresa seja mantido... ele faz parte do impacto cujo objetivo, é com mérito, cumprido pelo filme. Confesso que os primeiros 40/50 minutos da narrativa me deixaram desapontado..Uma fotografia numa penumbra e com tons fortes, escuros e angustiantes, na verdade um preparo ou até mesmo uma metáfora do que se vivia ali naquele contexto, naquele momento e logo é mudado com a chegada de Daniel a Sobradinho. Muritiba consegue nos provocar com questões de gênero, religião, intolerância, finitude, aceitação e crise existencial... É certo que duas horas é muito pouco para se aprofundar em cada uma destas provocações,  no entanto, talvez desenvolva aquela mais necessária: O encontro e as descobertas de Daniel e Sara... Contando como uma riqueza de imagens, onde cenários bem construídos e artisticamente remetendo a simplicidade de locais e residências, seja através de suas paredes envelhecidas, seus ambientes de adornos simples e populares de um colorido vibrante ou através da vida simples das pessoas com as quais cruza na sua busca... O elenco é outro achado, uma vez que a química entre Daniel e Sara seria fundamental para o sucesso de sua empreitada, que aliás o faz com louvor... É minimalista a maneira econômica como conduz alguns diálogos, mas as situações conseguem falar e dar o recado... Daniel e Sara, assim como a humanidade hoje, muito se fala através de aplicativos e no fundo não se conhecem, não se encontram, não se tocam... No caso especifico deles, a paixão e o encontro de almas brota da carência e da troca de mensagens, um encontro físico então fica a lhes dever e selar essa paixão, ou não...  Cuidadoso e atento aos pequenos detalhes Muritiba caprichou na trilha sonora, outro ponto que merece atenção e que pontua cada situação, emoldurando momentos de contemplação, pura poesia, de profundidade e verdade espetacular. Premiado e ovacionado de pé no festival de Veneza, DESERTO PARTICULAR é nosso candidato a vaga na disputa ao OSCAR 2022 (filme Internacional) e em virtude de sua abordagem e sua poética regional/universal (de tão regional é universal), atual e necessária tem grandes chances de figurar entre os finalistas. Com mérito!

Ficha Técnica:

Titulo: Deserto Particular

Direção: Aly Muritiba

Roteiro: Aly Muritiba e Henrique dos Santos

Elenco : Antonio Sabóia, Pedro Fasanaro, Laila Garin, Thomas Aquino entre outros

quarta-feira, 24 de novembro de 2021


 

CASA GUCCI

Baseado em fatos verídicos CASA GUCCI é daquelas narrativas que nos deixam na ansiedade tão logo e fale em pré-produção, tamanha a importância no universo fashion, seus personagens icônicos e sua marca desejada e avassaladora em todo mundo ... A grife dos sonhos... Do alto dos seus 83 anos Ridley Scott mostra que ainda vive seu momento de brilho e genialidade, após nos ter brindado com O ULTIMO DUELO, visto há pouco, uma bela e instigante narrativa de época com pitadas fortes de criticas sociais e intensas em meio a sociedade patriarcal em que vivemos, agora nos traz o polêmico CASA GUCCI, digo polêmico porque só a ideia de concebe-lo já gera polêmicas. Baseado em fatos reais, Scott adentra o universo de uma das grandes e deslumbrantes marcas do mundo fashion e  nos mostra na sua narrativa o quão perigoso e cruel é o universo das empresas familiares e, em se tratando do universo da moda onde impera a beleza e o culto ao poder e a vaidade, um prato feito para burburinho e polêmicas... CASA GUCCI faz um recorte do universo da família que se posicionou no mercado como símbolo de glamour, luxo e requinte, focando na trajetória de Maurizio Gucci, assassinado em meio a muita intriga, falcatruas e jogos de poder.

Na manhã do dia 27 de março de 1995, Maurizio Gucci, uma das figuras  mais  incensadas do universo glamoroso da moda, GUCCI ,  grife de sucesso que teve origem na Itália, foi morto com três tiros no peito. Assassinado quando adentrava seu prédio, o crime  teve elucidação dois anos depois com o julgamento e condenação  dos acusados, dentre eles a figura emblemática e polêmica, a ex-mulher Patrizia Reggiani.

Nos minutos iniciais vemos uma Patrizia(Lady Gaga incorrigível, mostrando que veio pra ficar), delírio dos frentistas, desfilar imponente entre a poeira e a precariedade de uma empresa (também familiar) adentrar o escritório do pai, onde laborava, ensaiando falsificação de assinatura... É dada neste momento o senha, do que viria a seguir. Esbarrando no milionário (Maurizio Gucci, vivido por um contido Adam Driver) numa balada e o confundindo com o bartender da festa, Patrizia se encanta e logo percebe ali o trampolim para uma guinada na vida.. Daí prá frente o que se vê é o início de uma relação sem sal e sem açúcar, evoluir e culminar com o casamento a contra gosto do patriarca Rodolfo Gucci, numa composição contida, amarga e desprovida de afeto por Jeremy Irons.

É perceptível alguns poréns no roteiro, apesar das suas quase 3 horas de duração tudo é meio veloz,  algumas situações não se aprofundam ou concluem., a cronologia não se estabelece, no entanto nada que comprometa tanto o valor e maestria do filme. Com um elenco competente e afiado, a química entre Gaga e Driver é perfeita, a atuação do Jeremy Irons é equilibrada, Al Pacino surpreende em alguns momentos, um Jared Leto um pouco exagerado... Em alguns momentos não há como não lembrar um pouco da aura estabelecida pelo soberbo GOODFATHER, afinal estamos no universo italiano. Cumpre lembrar aqui o sotaque de Gaga, a princípio soando estranho, mas se estabelecendo ao longo da jornada como um diferencial...  Scott optou por não centrar suas lentes no glamour do figurino, nas bolsas, e, sobretudo em locações., que poderiam enriquecer a narrativa ou de certa forma roubar-lhe o foco, os cenários no entanto imponentes, com a predominância do dourado, uma marca forte no universo dos GUCCI. Muito poderia se perder se a narrativa se prendesse ao universo de luxo e caprichos de uma família que sedimentou uma marca de luxo para apreciadores de fato, não apenas com viés comercial e lucrativo. Outro aspecto pouco abordado foi o universo das falsificações, principalmente nas bolsas... Em uma cena hilária, o tio do Maurizio, exclama em tom de piada: Não são falsificações são cópias de qualidade... Um achado de citação em meio a tanta preocupação com o faturamento e nome da empresa... Não é uma obra prima de Scott como sempre se espera mas é um grande e instigante filme, não só pelas atuações mas também como marco de valor histórico, principalmente no universo da moda.

 

Ficha Técnica:

Titulo ; Casa GUCCI

Direção: Ridley Scott

Roteiro: Roberto Bentivegna, Sara Gay Forden

Elenco: Adam Driver, Lady Gaga, Al Pacino, Jared Leto, Jeremy Irons

 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021


 

NOITE PASSADA EM SOHO

 

A criatividade do Edgar Wright aliada a um desejo de ser inovador não foram suficientes para coroar NOITE PASSADA... como um grande filme.  A história da garota atormentada pela perda da mãe que sonha em ser estilista e possui uma espécie de alma de velho em corpo de jovem quando do cultivo de valores e preferencias “retrô” é apenas o inicio ... A saída de cidadezinha para o descolado Soho, em Londres lhe envolve numa trama que costura na sua essência grandes ideias de viagem de pegada alucinógena, universo artístico dos anos 60/70, abusos e prostituição.

Contando com atuações regulares, em alguns momentos excelentes, vide a performance de Anya Taylor-Joy, a narrativa que com ares de terror, numa mistura que por vezes soa indigesta e previsível e peca por alguns excessos e a confusão que consegue estabelecer na cabeça do expectador com os devaneios e a mistura de realidade e viagens (seriam alucinógenas) que somente dão uma trégua, quando numa espécie de explicação com ares de didática, a história ´começa a ter seus pontos amarrados, suas justificativas elucidadas e seu fechamento, ainda que previsível elado.

Alguns números musicais são o ponto alto, principalmente se nos rendermos a atuação da Taylor-Joy, assim como a atmosfera pop, que remete a seu excelente EM RITMO DE FULGA, que ao contrário desse, emociona, cativa e empolga, é claro que mediante sua proposta, o que não quer dizer que o terror não deva cativar, em NOITE PASSADA, talvez esse objetiva e coreografias de cena, um traço bem particular da direção. Não deixa de ser um bom entretenimento para adeptos do gênero terror e afins, e seus quarenta minutos finais se não valem a narrativa por completo, ao menos ameniza alguma espécie de decepção. Frise-se o grande mérito que deve ser atribuído a primorosa trilha sonora e, sobretudo, objetos cênicos, uma recriação de um universo retrô que deixou saudade e quando em vez nos salta como estilo!

Ficha Técnica:

Direção: Edgar Wright

Roteiro: Krysty Wilson-Cairns, Edgar Wright

Elenco: Thomasin McKenzie, Anya Taylor-Joy, Matt Smith

Título original : Last Night in Soho