quarta-feira, 19 de janeiro de 2022


BENEDETTA

Impressionante como em pleno século 21, o tema abordado em BENEDETTA cause tanto escândalo, tanta indignação, tanta polêmica. É sabido que Paul Verhoeven é chegado a abordagens cruas, mensagens diretas e excelência na condução dos temas propostos. Depois de ter nos brindado com Robocop, Showgirls e Instinto Selvagem, suas obras de destaque, eis que nos chega BENEDETTA, narrativa baseada numa história real. A história de Benedetta que  aos nove anos já surpreendia e adentra o convento levada pelos pais e la cresce com uma relação um tanto quanto fora do padrão aceitável com Jesus Cristo... Desde cedo ela surpreende com situações que beiram milagres,  é atormentada por sonhos onde Jesus Cristo sempre presente protagoniza relações carnais...Numa das cenas que escandalizou a igreja, Beneditta posiciona-se frente a Jesus Cristo na Cruz numa espécie de cópulas insinuada... um afronta aos dogmas .. A chegada ao convento e as negociações para seu ingresso nos dão uma ideia do papel da igreja aquela época, onde a postura autoritária da madre superiora vivida por uma inspirada Charlotte Hampling. No convento Beneditta conhece  Bartolomea, a partir daí a história ganha outros rumos, a cumplicidade entre as duas  brota e da convivência o amor e o envolvimento carnal explodem de forma explicita e lindamente registrada por um Paul corajoso e  inspirado. Baseado no livro ATOS IMPUROS- A VIDA DE UMA FREIRA LÉSBICANA ITÁLIA DA RENASCENÇA, o roteiro apenas inspira-se no fato verídico e nos constrói um painel da postura da igreja, os padrões sociais da época, a peste e o poder da religião. BENEDETTA é atormentada, sofre com visões, chagas no corpo, vivencia situações milagrosas e belas e explicitas acrobacias sexuais com a colega de quarto. Paul não faz juízo de valor, não constrói uma obra de viés determinante ou potencialmente claro e esclarecedor, deixando sempre pairar a dúvida, ainda que a história tenha sido baseada em fotos reais. Os tormentos vividos por Bernadetta são compartilhados por um Jesus Cristo cúmplice num possível papel de marido protetor. Há uma cena inicial onde uma cobra rouba a cena e faz uma pertinente analogia as questões de Adão e Eva e a expulsão do paraíso, em meio a chegada de Bartolomea... Seria ela a tentação a roubar-lhe o paraíso e apresentar-lhe o prazer sem culpa, a descoberta do corpo e suas possibilidades ? Em meio a essa possibilidade surge a transformação (ideia de Bartolomea) da santa presenteada pela mãe em brinquedinho sexual que detona e determina a condenação de Benedetta pelo representante do papa. A partir dai a narrativa ganha ares de crueldade apresentando cenas de torturas e mais uma vez expondo a cruel realidade da igreja e seus desmandos, dentre eles. fogueira e enforcamento para citar alguns... Como vemos o filme é carregado de grandes questionamentos e mostra sem pena uma realidade que hoje macula a trajetória da igreja, dividindo opiniões, principalmente dos católicos mais fervorosos. A produção é primorosa, as atuações do trio de atrizes , Virginie Efira (Benedetta), Daphne Patakia (Bartolomea) e Charlotte Rampling (Madre Superiora) é irretocável. São belas as cenas de sexo lésbico, explicitas sem ser apelativas ou até mesmo gratuitas... A reconstituição de época prima pelos cuidados , a trilha sonora é outro show a parte, emoldura com excelência os momentos de tensão e emoção. É um filme impactante e ao mesmo tempo de um lirismo e poética da fé pouco visto... Impossível vê-lo sem que questionamentos e queda de valores e convicções ganhem outras abordagens... Provocativo, instigante, BERNADETTA consegue ser cruel e lírico, pesado, mas corajosamente direto e explicito sem medo ou pudor... Um cinema necessário e genuinamente bem construído e assertivo.

Ficha Técnica:

Título: BENEDETTA

Direção: Paul Verhoeven

Elenco: Virginie Efira, Daphne Patakia, Charlotte Rampling entre outros

 

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