sexta-feira, 31 de agosto de 2018


FERRUGEM

O trabalho do Aly Muritiba em sua curta e promissora carreira é, de longe, de muita personalidade, um cineasta que como poucos,  sabe imprimir sua marca e em constante evolução de suas narrativas nos brinda agora com uma pequena pérola em forma de película: FERRUGEM, uma obra densa, sem chegar aos extremos do dramático, pertinente sem ser didática e oportuna sem ser apelativa.  Partindo do universo jovem e sua relação com as redes sociais nos narra o universo de um grupo de adolescentes, onde o buillyimg virtual é mote para as traumáticas e fatais consequências... Para resumir: Garota tem um vídeo intimo publicado em grupo na escola e sua vida vira de ponta a cabeça...
A narrativa é dividida em duas partes que podemos resumi-las em : Causa e consequência...
Com um roteiro bem costurado, uma fotografia caprichada,  e um som pertinente, vemos na primeira parte um pouco do que é o universo dos jovens hoje, de forma resumida este universo  é narrado quase que exclusivamente sem a presença de adultos, a exceção do professor da escola que muito pouco acrescenta a não ser sua presença física e omissa... Com um elenco regular, talvez um dos pontos que deixa a desejar na película, este universo é traçado de forma equilibrada, aqui vemos algumas amigas da Tati(Tiffanny Dopke, em atuação tímida, talvez o drama vivido pelo personagem pedisse uma atuação mais visceral, o que aqui não acontece) em atuações equilibradas e ausência total de sua família... Na verdade talvez o foco propositadamente fosse esse: Tati e seu calvário...
Nesta primeira parte que nos parece morna e sem maiores acontecimentos num vai e vem de manuseio de celulares, somos surpreendidos  pelo vazamento do vídeo, aí o filme cresce e toma as proporções não esperadas... Não convém aqui tecer outros comentários a respeito da história...
Pertinente e atual, a abordagem de Muritiba é leve, mas nem por isso deixa de ser visceral. As cenas são bem construídas (principalmente na segunda parte, onde uma fotografia bem cuidada em meio a um elaborado  trabalho de composição em cumplicidade com detalhes e mensagens subliminares envolvendo locais e clima numa jogada certeira que pontua a ação a medida que vai  gerado e sutilmente  dando pistas para os mais atentos... Enquanto a primeira parte nos mostra um universo jovial, colorido, ensolarado, a segunda nos remete a um clima mais taciturno, sombrio. Um dos maiores acertos do filme. Numa cena emblemática vemos a discussão morna e tímida de um casal dentro de um carro em meio a uma incessante chuva vista num  vidro  embassado... A medida que a discussão evolui  a chuva cessa, o vidro vai retomando uma translucidez necessária... o momento de acordar.
A abordagem que nos mostra o ato e suas consequências não aponta inocentes e culpados, apenas na leveza de atuações sem atitudes extremadas nos traça um painel sem maiores ponderações ou maniqueísmos corriqueiros... Gosto da discussão do juízo  de valores e confronto entre as atitudes dos pais do garoto, Renet, aqui vivido sem maior intensidade ou carga dramática que talvez a situação requer, apesar de seus momentos, silêncios e olhares preciosos e necessários em meio ao tormento e conflito da culpa... O que não ocorre com a família de Tati, principalmente na única cena que vemos a mãe, talvez o momento pedisse uma maior arco dramático... Detalhes que não comprometem nem deixa, por isso, a obra menor... O trabalho do Muritiba desponta como uma das melhores e mais criativos do cinema nacional este ano, é claro que temos obras outras de igual valor, no entanto a necessária e pertinente abordagem em época de fake News, nudes e vazamentos de vídeos e imagens o torna maior e necessário, ainda que sem maiores estardalhaços ou roteiros rebuscados e ações extremas... Numa jogada de mestre e com sensibilidade exemplar,  Muritiba  mestre na hora de apresentar o que deve ou não ser mostrado ou falado, faz como poucos, uso do silencio que em situações pontuais  fala muito mais que uma enxurrada de palavras... Um preciosismo que merece ser destacado.
Chamou-me atenção o cuidado com os cenários, os elementos de cena, algo que vi semelhante em BENZINHO, outro grande filme... Nota-se que houve preocupação com essa construção e, sobretudo,  pertinência com o momento e a situação vivida pelos personagens e não uma tentativa de glamourizar essa ou aquela cena gratuitamente. Esses cuidados aliados a uma direção firme  e criatividade na abordagem fazem de Muritiba um talento a se olhar com mais atenção, em meio a um salto em sua promissora carreira vemos surgir um sopro de vida e inovação no cenário atual do cinema nacional, um alento em meio a tentativas vãs de reinvenção da roda ou roteiros pobres e previsíveis... Premiado em gramado, e com louvor, num ano de grandes  produções e disputa apertada por conta da qualidade das obras ali apresentadas, FERRUGEM agora parte para conquistas outras, e de olho na indicação numa vaga a disputa pelo Oscar de filme estrangeiro tem estreia num momento mais que oportuno depois de uma longa caminhada em vários festivais.
Ficha Técnica:
Titulo: FERRUGEM
Direção: Aly Muritida
Elenco: Enrique Diaz, Tifanny Dopke, Giovanni de Lorenzi, Clarissa Kiste entre outros

Nenhum comentário:

Postar um comentário