quinta-feira, 7 de setembro de 2023


 

ANGELA

Foi um crime que abalou e envergonhou o país na década de 70 tal como foi transformado: um espetáculo midiático onde a alegação da defesa, indefensável, determinou uma pena mínima: Legítima defesa da honra... Com isso Ângela Maria Fernandes Diniz, a badalada socialite mais conhecida como “a pantera Ângela Diniz” morreu várias vezes, e creio, continua morrendo em cada uma das “Ângelas” vítimas de feminicidio, que pasmem, quase 50 anos depois, ainda continuam a morrer. Finalmente este ano, mais precisamente semana passada, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a tese de “legítima defesa da honra” . Ângela teve a vida devassada... foram vários tribunais... agora nos chega as telas, dirigido por Hugo Prata (que já nos brindou com ELIS), protagonizado por Isis Valverde e Gabriel Braga Nunes (Ângela e Doca Street). São várias as questões e sábias opções elencadas pelo diretor na concepção de seu projeto, a começar pelo título, sua ANGHELA é desprovida de acento, o que cria uma distância ainda que mínima da Ângela de fato da narrativa, Doca atende por Raul, optou também por centrar a narrativa nos últimos meses de vida Ângela, assim como também restringiu o universo da narrativa ao casal e a poucas pessoas que com eles conviveram após a mudança para a casa de praia... Nada sobre a vida pregressa de Ângela nos é apresentado, o filme inicia com uma festa onde nasce o flerte entre os protagonistas, ambos comprometidos, Ângela a época namorava o cronista badalado da noite carioca Ibrahim Sued  e Doca a socialite Adelita Scarpa,  prima do Chiquinho Scarpa, proprietário da mansão (em que nasceu e cresceu),  onde foi rodada a primeira cena do filme. Após o flerte Doca é expulso de casa pela mulher e segue com Ângela para uma casa na Praia dos Ossos, litoral do Rio de Janeiro, aquisição de Ângela que lá permanece e é barbaramente assassinada com 3 tiros no rosto e um na nuca...

Os minutos iniciais do filme são lentos, no entanto a presença da Isis Valverde, ainda que munida de uma pertinente melancolia, ilumina e dá certo equilíbrio a narrativa... Gravado numa praia de Porto Seguro em meio a um clima de inverno (nunca vemos um dia ensolarado, mas um céu cinza e carregado... Seria intencional em meio a tragédia anunciada?), cenário para o crescimento da tensão e da transformação da relação acalorada em relação tóxica e abusiva... É bem construído o arco dramático que nos mostra a construção de um clima de abuso e dominação alicerçado num ciúme doentio. Ângela era conhecida por sua postura determinada e a frente de seu tempo, um tempo onde o divórcio ainda não existia, um tempo onde a acidez do comportamento machista era passivamente aceito e não questionado... Independente, inteligente, rica, bonita e sedutora abalava as estruturas nas noites cariocas e paulistas... era uma mulher a frente de seu tempo. Mãe de três filhos padecia por sofrer com um acordo feito com o ex-marido após a separação... sua trajetória daria uns três longas, reduzida aqui, apenas a tragédia e a importância de se refletir e questionar. Narrativa pontuada pela bela fotografia da praia e um potente suporte sonoro, Prata dá um tratamento humano e respeitoso a Ângela. Impossível não se sensibilizar, ainda que sabedores de toda a situação e seu desfecho, com a construção da Isis que evitou parecer fisicamente com a Ângela, tornando-a caricata... construiu sua Ângela e foi muito sábia na empreitada... Está madura, segura e bela em cena... Um filme para ser visto e reverberado...  

Ficha Técnica:

Título: ANGELA

Direção: Hugo Prata

Roteiro: Duda de Almeida

Elenco: Isis Valverde, Gabriel Braga Nunes, Bianca Bin, entre outros

 

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