segunda-feira, 21 de novembro de 2022


 

ATÉ OS OSSOS

 

A sensibilidade do Luca Guadagnino na direção já nos ficou clara em Me Chama pelo Seu Nome, e fica ainda mais evidenciada nesse ATE OS OSSOS, onde consegue a proeza de construir uma narrativa que é em síntese uma história de amor e uma busca por um lugar no mundo, um exercício de aceitação onde nada mais nada menos o canibalismo é o elemento crucial... Baseado no livro homônimo da Camille DeAngelis, que também assina o roteiro  com David Kajganich, nos conta a história de Maren (a ótima Taylor Russell) que é abandonada pelo pai aos 18 anos. Sozinha no mundo e em crise por conta de sua condição e choque de aceitação, sai em busca da mãe... Nessa imersão (um road-movie dos melhores) em vários lugares esbarra em Lee que, apesar de frio e desligado, uma espécie de bad boy da hora, padece do mesmo mal... Ficamos aqui para evitar spoilers... Contando mais uma vez com o Timothée Chalamet (em mais uma exemplar atuação) e Mark Rylance, um coadjuvante de luxo que faz a temperatura do filme ir as alturas a cada aparição, num misto de expectativa, surpresas e deleite da fluida e perspicaz atuação, Guadagnino nos brinda com um conto de fadas, onde o canibalismo é tratado apenas como detalhe... Sua força maior e, de fato, grande achado do filme, é  a busca por uma identidade (Maren) e a descoberta do outro(Lee) em meio as adversidades. Há aqui a consciência da real condição e a impossibilidade de mudá-la... Conviver com ela ? Alimentá-la? Esqueça qualquer possibilidade do viés de terror. Ainda que com cenas fortes e explicitas (poucas) o mérito aqui é mostrá-las apenas sob outra perspectiva, através de insinuações (sons, ruídos, respirações. vozes). O filme mostra a que veio com uma explicita cena inicial e daí por diante segue num crescendo auxiliado pela bela e inspirada trilha sonora que se apodera de sons diversos, barulhos insignificantes, e toda espécie de possibilidade sonora que nos remete as imagens não vistas, soberbamente insinuadas. As atuações dos atores é um espetáculo a parte. A química entre o Chalamett e a Russel é uma beleza, acostumados a vê-lo como bom garoto, asséptico e comportado, vão se chocar com seu estilo bad boy, sujo, ferido, machucado... carente e num crescente de vulnerabilidade de magnifica construção, capazes de construir com tamanha firmeza apenas os grandes atores. A cada aparição do Rylance a película alcança patamares mais altos de excelência... Seja nos mosquitos ao seu redor ou na baba certeira que lhe escorre de tanta comoção e sentimento... Um achado. É um filme impactante, questionador sem maior aprofundamento que beire o óbvio... O canibalismo aqui não é medido, analisado ou até mesmo julgado, ele apenas é a condição. Uma condição de fato, explicitamente presente onde a consciência de sua existência é a mola motriz da busca por uma saída... Será que de fato há alguma? Com maestria e pulso forte, a direção consegue nos prender e nos surpreender numa narrativa sem saídas mirabolantes, inusitadas mudanças ou até mesmo cenas de horror gratuita... Tudo que ali está faz parte de um contexto que se explica e se potencializa a cada minuto e nos toma por inteiro, nos arrebatando no torpor que nos faz sofrer com seus protagonistas... Premiado em Veneza, ATÉ OS OSSOS ainda se dá ao luxo de nos oferecer uma bela e inspiradora fotografia, certamente há de incomodar alguns e radicalmente não agradar  tantos outros... O que não é pouco. A reflexão, no entanto, que ele nos provoca e nos inquieta é seu mérito maior... Um dos mais instigantes filmes, senão único, deste ano. Atentem para a canção final, a cereja de um bolo que certamente lhe será inesquecível.

Ficha Técnica:

Título: ATÉ OS OSSOS

Direção:  Luca Guadagnino

Roteiro: Camille DeAngelis e David Kajganich

Elenco: Timothee Chalamet, Taylor Russell, Michael Stuhlbarg, André Holland, Chloë Sevigny, David Gordon Green, Jessica Harper, Jake Horowitz e Mark Rylance

Previsão de estreia nos cinemas : 01.12.2022

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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