sábado, 26 de fevereiro de 2011

César Romero: pertencimento e fé

Matéria circulada no Correio em 20.02.2011


O Espaço Cultural Boteco do Zé, antigo Extudo, localizado no poético bairro do Rio Vermelho, traz exposição fotográfica de Mário Edson intitulada Iemanjá – Encontro nas Águas do Mar, curada por Conceição Paiva. Segue próximo sábado. A mostra é resultado de oito anos de pesquisa, sobre a cultura baiana, em especial sobre o Presente da Mãe D’Água, neste mês dedicado a Rainha do Mar.Mais um grande artista a expor num espaço alternativo de Salvador, que tem sido de grande valia no escoamento de nossas produções. A “nobreza intelectual” destina seus espaços à especialistas em tramitar papéis e artistas destinados ao apreço pessoal e vantajoso.
A expo consta de vinte e duas fotos em preto e branco, nas dimensões 30x40 cms, em que o artista ressalta em cores apenas as oferendas, em meio as pessoas e o ambiente onde se inserem. Seu propósito principal é revelar a força da fé que é inserida em cada presente nos balaios, flores, perfumes, miniaturas de orixás e tantas outras. Uma maneira de explorar a força desta devoção, deste credo.
O resultado é de grande sutileza, os elementos destacados em cor, fazem um contraponto com o preto e o branco numa releitura do mundo real, pois enxergarmos colorido. A cor e as não cores estabelecem um diálogo de oposição numa mesma imagem. Algumas fotos são de direta simplicidade, onde se reconhece os grandes planos. Outras de sofisticada leitura, quando tempo e espaço beiram a metafísica.
A festa de Iemanjá é um espaço múltiplo de convivência que o fotógrafo capta em pluralidade, no transitório de apenas um dia. Há também um regionalismo endógeno, que vem de nossas características predominantes de lugar, pertencimento e ocorrências culturais bem definidas. Registre-se o conteúdo humano da festa e o significado de raiz popular. Também a fixação de nosso patrimônio cultural imaterial e manifestações intangíveis de nosso povo, especialmente a valorização dos costumes de religiões de matrizes africanas. Mário Edson mergulha nestas questões em forma de tributo, buscando eternizar momentos. É importante perpetuar manifestações como esta a seu processo evolutivo, como referência histórica e documental.
As fotos de Mário Edson tem ritmo próprio, estas transcrições da Festa de Iemanjá podem parecer batidas, desgastadas. Mas não é. Batidos e desgastados pode ser o olhar de alguns, que não sabem ver além do óbvio, cegos de intuição e do sensível. Seria vedado aos artistas trabalharem a figura humana ou a natureza? O tema é pretexto para criadores buscarem sua forma pessoal e intransferível de ver o universo nas suas mais diversas possibilidades. Simplório dizer que em 6.000 anos de poesia ainda se fala de amor. Muitas vezes de forma originalíssima como o fez em 1963 no livro Paranoia, o poeta paulistano Roberto Piva.
O “como” fazer e “dizer” é o que interessa. A subjetividade é o que confere um caráter inovador, uma nova aparência para o que já foi visto.
Estamos envoltos no mundo, sentimos as coisas diferentes, em instantes vários. Cada indivíduo, que forma a sociedade, tem seu modo particular perceptivo. Nossa forma de pensar, sentir e atuar são narrações trazidas da infância na magia fantasiosa do real. O que seria o real? Uma interpretação singular de casa sistema de pensamento, ilusões e crenças? Somos quantos em cada momento diferente? O real poderia ser nosso eu reposicionado. O uno é uma busca interminável. Assim Mário Edson traz outro efeito de verter a Festa de Iemanjá, como um intérprete que transmuta uma velha canção.
Comenta-se que no ano de 1923, houve grande diminuição de peixes na vila de pescadores do Rio Vermelho. Buscando ajuda saíram ao mar no dia 2 de fevereiro para presentear a deusa, que retribuiu em fartura. Desde então os pescadores repetiram o ritual que se transformou numa das festas mais populares da Bahia, trazendo ao bairro uma multidão de fiéis. Balaios com presentes, flores e bilhetes com pedidos são atirados ao mar, levados por cerca de 250 embarcações, acompanhando o saveiro (nave principal) que leva as oferendas dos pescadores à frente do cortejo.

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