MARIA CALLAS
“Minha vida é ópera, e não há razão na ópera”
Pablo Larraín construiu uma trilogia, espécie de tributo a três figuras femininas (seriam heroínas na concepção de alguns??) que tiveram participação determinante na história da humanidade, cada uma a seu jeito, seu universo e seu raio de atuação: Jackie O. , Spencer (Lady Di) e Maria Callas, esta última que agora chega aos cinemas carregada de incenso e elogios encerra a saga. As duas primeiras têm um bom período de suas biografias roteirizadas, já essa última, apenas um recorte de seus últimos dias de vida, apesar de muito pouco, determinante e preciso para que pudéssemos com esse pouco ter uma mínima noção da Diva que foi. Colaborador de Spencer, Steven Knight optou por um roteiro atípico, logo nos minutos iniciais já somos impactados com o corpo de Callas sendo removido de seu apartamento em Paris, onde morre sozinha e é encontrada pelos serviçais. O filme volta sete dias antes, agora sim, iniciando a narrativa e nos mostrando o que levou ou trágico momento inicial. Impressionante como o mantra “Crepúsculo dos deuses” é comum para alguns dos grandes mitos, no caso de Callas, ter limitação na voz e até mesmo começar a perde-la foi algo determinante para seu abalo psicológico e físico, sobretudo sua vaidade... Pude ver algumas versões teatrais, inclusive a mais antológica delas com Marilia Pêra, que anos depois dirigiu a Silvia Pfeifer no mesmo papel... a tônica é a mesma... Aqui Angelina Jolie nos traz uma Callas altiva, soberba, vaidosa, de humor por vezes ácido, por vezes debochadamente cínico... no entanto uma mulher altiva, sutilmente autoritária, para não parecer pedante, mas ao mesmo tempo frágil e perturbada psico e fisicamente... Já com problemas vocais, dependente de remédios, ainda assim confiante e imperturbável, soltando gracejos para quem quer que cruze seu caminho. A diva passeia por Paris abastecida por drogas em sua fase terminal, onde é entrevistada por um repórter (fictício?) que responde por Mandrax, ironicamente o nome de uma de suas medicações. Essa entrevista é o recurso encontrado por Larrin para fazer um flashback de sua vida, aí incluso o encontro com Onassis, seu grande amor (quando ainda casada), suas apresentações e seu declínio. Há em Callas um certo inconformismo com a posição do piano na sala que é mudado de lugar a exaustão ao longo do filme, tarefa de seu fiel escudeiro, o mordomo da casa que, junto a governanta convive com ela em seus últimos dias, quem sabe uma forma sutil de se impor: Ainda estou aqui... É comovente a forma cuidadosa e a preocupação que o mordomo tem para com ela, a certeza da finitude e o incentivo a se tratar, decididamente tudo que Callas dispensava. O elenco está primoroso, assim como as locações, o figurino (impecável) os objetos de cena e a sonoplastia que dispensa comentários (a voz de Angelina é mixada com gravações originais de Callas, um assombro de belas e perfeitas). As produções do Larrin são conhecidas pelo apuro técnico e direção cirúrgica de cenas... Há uma simetria, um dom maior em centralizar e destacar suas musas em cena que tornam seus filmes experiências únicas... Os planos abertos onde Callas adentra os ambientes ou caminha peças ruas são de uma beleza singular... Vê-la caminhando ao longo da narrativa num outono nas ruas cobertas por folhas caídas é pura poesia. Angelina Jolie está confortável num papel feito praticamente sob encomenda, além de uma aparência física com Callas que impressiona, sua postura em cena é correta, tocante e verdadeira.... Construiu com respeito e dignidade uma Callas que nos toca e nos emociona sem maneirismos, drama barato e apelações... Seu porte e sua elegância falam por si só remetendo a mulher atordoada pela finitude corroída por um amor toxico, mas ainda assim altiva, centrada, inspirada (suas tiradas ao longo do filme são fenomenais) e sobretudo Diva. O Onassis do Haluk Bilginer é outro trunfo do filme, sua atuação é incorrigível e bate um bolão com Jolie num perfeito equilíbrio... Ambos donos de si (“Sou feio mais sou rico e tenho tudo que quero” ... e teve mesmo, inclusive ela ). Há uma cena simples onde Callas entrega o que Onassis teria sido pra ela, quando relata aos serviçais que Onassis aparece pra ela todas as noites... Um recurso provincial do filme: momentos atuais em cores quentes e solares e p&b para uma espécie de marcação do tempo, as memorias em flashbacks. Um achado que acrescenta muito a narrativa, e torna esse, um dos filmes com uma das mais belas fotografias deste ano.
Nos cinemas a partir de 16.01.2025
Ficha Técnica:
Título: CALLAS
Direção: Pablo Larrai
Roteiro: Steven Knight
Elenco: Angelina Jolie, Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher, Haluk Bilginer
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