quarta-feira, 29 de janeiro de 2025


A VERDADEIRA DOR

 

A VERDADEIRA DOR é um daqueles filmes de simplicidade franciscana, que as vezes não esperamos nada e nos surpreende... Dirigido pelo Jesse Eisenberg,  que também atua (essa é sua segunda direção)contando com a parceria do  Kieran Culkin, ambos batem um bolão.

A narrativa nos fala da viagem de dois primos (completamente diferentes) que saem em busca de memórias afetivas em visita a casa da avó, uma judia falecida. Falando assim parece simplista. Não é. Nos minutos iniciais com pequenos e significativos detalhes, a sábia direção munida de boas saídas do roteiro, nos faz um painel de quem são aquelas duas criaturas tão distintas e ao mesmo tempo tão conectadas. Uma viagem feita com um grupo (meio geriátrico, como pontuado por um deles) igualmente distinto, ali cada um tem suas expectivas e objetivos com a viagem... É nessa pluralidade em meio a belos e históricos lugares que a ação de passa... Uma delícia de situações que se amarram e constroem um painel coletivo equilibrado sem se aprofundar ou exagerar, afinal o foco é na dupla.   Benji (Culkin) de fato rouba cena, aliás efeito das bolas que generosamente Eisenber levanta para ele bater. É notória a sua dificuldade de lidar com a própria dor, que de alguma forma não fica clara ou aprofundada. As mudanças de humor e posturas em meio a situações que beiram o constrangimento e a dificuldade de lidar com mundo, as pessoas, as convenções. Foi preciso muita sabedoria para que o diretor abordasse um tema tão forte, pesado: O Holocausto. Com maturidade ele nos mostra um campo de concentração sem apelação, drama rasgado ou apelo ... Com sabedoria e sensibilidade a trajetória dos garotos, que precisaria de fato passar por situações como estas, é mostrada, de forma leve e natural.  É um filme de memórias, convivências com diferenças, amor e amizade... Uma sensível e bela demonstração de como a dupla esta madura e cresceu cenicamente, um achado em meio a tanto drama de reputação duvidosa ... A Verdadeira Dor ao final nos mostra que a verdadeira questão na maioria das vezes é o poder de se situar e estar feliz para onde ir e, quem sabe, ali permanecer.

Nos cinemas a partir de 30 de janeiro

Ficha Técnica:

Título: A Verdadeira Dor

Direção : Jesse Eisenberg

Roteiro: Jesse Eisenberg

Elenco: Jesse Eisenberg, Kieran Culkin, entre outros

 

 

 


 

EMÍLIA PÉREZ

 

Franco favorito ao Oscar, abocanhou todas as principais premiações e, como de costume, está a dividir opiniões... Depois de ter conquistado Veneza, seguiu como uma retroescavadeira e não deu pra ninguém, hoje, depois de algumas sessões para imprensa e algumas outras exibições, o que se observa é uma chuva de críticas negativas e muitas polêmicas, algumas, de fato procedem, outras nem tanto... Considero que há um certo exagero, a exemplo da dupla indicação para melhor filme no top10 e melhor filme de língua estrangeira, neste caso roubando vaga de um dos outros grandes filmes que se encontravam no páreo. Há um exagero do público brasileiro que pesa mão nas críticas ao filme e principalmente a atriz que é concorrente da Fernanda Torres que, do alto de sua elegância já veio a público pedir para evitar esse clima de excessiva competitividade, afinal, há de se ter elegância ainda que numa competição...um gesto nobre de quem foi bem recebida e acolhida pela própria Karla Sofia Gascón. Mas vamos ao filme... Dirigido e roteirizado por Jacques Audiard (O Profeta, Ferrugem e o Osso, Dheepan: O Refugio) é uma produção gravada na França cujo cenário mexicano é povoado de atores não reconhecidamente mexicanos, inclusive com declarações polêmicas a respeito dessa escolha de atores feitas pelo próprio diretor. A narrativa se passo no México onde um poderoso líder de cartel resolve fazer uma cirurgia de re designação sexual (também conhecida como cirurgia de mudança de sexo, um procedimento cirúrgico que altera os órgãos genitais de uma pessoa para que correspondam ao seu gênero de identificação) contratando os serviços de uma advogada frustrada que lhe auxilia nas questões práticas e documentais. Depois que é dado como morto os filhos e a mulher são enviados a Suíça. Tempos depois volta ao México com Emília Perez, passando a ajudar a comunidade como uma espécie de busca da redenção em função das atrocidades cometidas no passado. Toda a narrativa é pontuada por músicas e alguns números de dança, (em alguns momentos o texto não é falado, é musicado (sick),  o que da uma agilidade e movimento por outro quebrando a grande carga de dramaticidade que o tema impõe. É uma questão meio confusa um filme falado em espanhol, ambientado no México, dirigido por um francês e representante da França na corrida pelo Oscar... Com grandes problemas na edição, os mais atentos e experientes vão perceber, Emília Perez pode até tentar funcionar como aceno a diversidade, a inclusão de uma atriz trans e da discussão das questões de gênero... O problema é que nem isso faz a contento... Numa tentativa de inovação, (um balaio, (onde de tudo tentou se colocar um pouco) acaba por  ficar pesado ao final e a boa ideia acaba sub aproveitada... As músicas vão na contra mão da harmonia e das rimas,  soando, as vezes, perdidas e sem razão, momento de um arco dramático denso e não sabemos se rimos ou choramos... As atuações não decepcionam, a Gascón faz o seu dever de casa (a sensação que tenho é que a indicação foi por uma questão inclusiva, afinal, primeira atriz trans a ser indicada), mas quem brilha mesmo é a Zoe Saldaña numa atuação intensa e com bom tempo em cena... Marca forte do Jacques, os cenários privilegiam uma paleta de cores fortes, cenas musicais com farto e apropriado uso da luz. Não dá para desconsiderar a ousadia e a tentativa de inovação e atuação fora da caixa, no entanto, num ano onde não havia um franco favorito (com todo mérito ) a exemplo do ano passado, duas produções roubaram a cena : Emilia e Anora, ambos como anteriormente me referi, totalmente fora dos padrões e do dito cinemão... O excessivo número de indicações pode repetir algumas frustrações de anos anteriores, onde produções foram fartamente indicadas e saíram ao final de mãos vazias. A política do Oscar vem mudando, com ela os critérios que sempre foram duvidosos, agora são mais que nunca imprevisíveis. Com grande rejeição dos mexicanos que não gostaram nada nada de como foram mostrados, altas críticas e rejeição pela galera trans e muitas resenhas negativas pela crítica especializada, Emília Perez segue firme e forte, gerando noticia e polêmica. Não vejo de fato como classifica-lo como melhor filme, num ano onde temos CONCLAVE e  O BRUTALISTA, para ficar em duas grandes produções, assim como também num ano onde uma animação disputa melhor filme e melhor animação, convenhamos: o Oscar quer causar... Isso é bom? Talvez.  Assistam Emilia desarmados, no mínimo serão duas horas de entretenimento mediano e para alguns, inovador.

Nos cinemas a partir de 06 de fevereiro

Ficha Técnica:

Título: Emília Pérez

Direção: Jacques Audiard

Roteiro: Jacques Audiard e Thomas Bidegain

Elenco: Karla Sofia Gascón, Zoe Saldaña, Selena Gomez, entre outros

 

 

 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

CONCLAVE

Conclave é um daqueles luxuosos filmes que nos encantam por tudo: a cenografia, a fotografia, os jogos de câmera, o elenco e o roteiro … O roteiro …Que roteiro é esse?? Quanta sabedoria e perspicácia na adaptação do livro do Robert Harris, lançado em 2020(recomendo a leitura). A direção de Edward Berger (“Nada de Novo no Front”), com um elenco estelar que conta com os medalhões Ralph Fiennes, Stanley Tucci, Isabella Rossellini e John Lithgow, é um assombro … atuações cirúrgicas … A captação das imagens e os enquadramentos no Vaticano, frise-se mais notadamente na Capela Sistina é de uma excelência pouco vista no cinema … 
Como o nome já entrega, a narrativa centra foco na escolha de um novo papa após a morte do papa em exercício, trazendo à tona todo o ritual que precede a escolha, o mistério em meio ao ritual da seleção, um processo, diga-se de passagem, político, que não perde em nada para as disputas efetivamente políticas em todas as esferas, no entanto um dos ou o mais sigiloso processo de eleição que se tem notícia. Uma cena inicial enquadra sutilmente um tabuleiro de xadrez. Neste momento é dada a senha para que está por vir. A narrativa é de uma delicadeza nos detalhes que, pontuados pela exuberante trilha sonora nos surpreende do primeiro ao último minuto, nos deixando num estado de torpor e perplexidade … 
Gravado basicamente numa Capela Sistina fake (no exuberantemente perfeita), a produção levou 10 semanas na reconstrução do cenário, uma vez proibida a gravação pelo em Vaticano na locação real, onde o pleito é realizado tendo como pano de fundo o Juízo Final, numa bela e irretocável reconstituição. 
A disputa feroz pelo poder e todas intrigas (há quem chame de filme “da fofoca”) que veem à tona em meio a luta do protagonista que coordena o processo, são de uma orquestração e equilíbrio em meio as oscilações dignas de mestre, ponto para o roteiro. Ralph Fiennes (Laurence) brilha do início ao fim , seu tormento e sua luta em prol de um pleito justo baseado nos preceitos da fé é o diferencial em meio a uma acirrada disputa onde egos, vaidade, supremacia  e sobretudo, sede de poder são a tônica … Tudo é mostrado em detalhes desde a chegada dos cardeais, seu dia a dia, suas reuniões, refeições ,discussões e principalmente conchavos e acordos em meio à guerra pelo poder …Há detalhes flagrados pela câmera no chão, nas mesas e paredes que encantarão os mais atentos. Eles fazem o diferencial no filme … O inesperado final é a cereja do bolo de um filme que mantém seu equilíbrio narrativo surpreendendo do início ao fim, nos deixando em estado de tensão e expectativa. Um primor! 
Nos cinemas a partir de 23 de janeiro 
Ficha Técnica:
Título: Conclave
Direção : Edward Berger 
Roteiro : Peter Straughan e Robert Harris 
Elenco : Ralph Fiennes, Stanley Tucci, Isabella Rossellini e John Lithgo