segunda-feira, 20 de janeiro de 2025


 

ANORA

 

ANORA é um daqueles projetos que já nascem polêmicos, dividem opiniões... incensam diretor e elenco e saem laureados nos festivais (que primam pelo inusitado). A grande questão é: até que ponto estes filmes ditos engajados, inovadores e polêmicos fazem de fato um bom cinema? Contribuem de fato para a sétima arte?  Sean Baker é o típico diretor fora da caixa, defensor da desconstrução do sonho americano, meio marginal que adota em sua cartilha abordar temas polêmicos, de forte apelo social com extrema crueza e realismo, algumas vezes até exagerado e, encontrando ainda espaço para humor.... Aqui, a partir de seu roteiro, ele nos conta o encontro do filhinho de milionário que se encanta com uma garota de programa, faz dela sua exclusiva, lhe proporciona momento de redenção em meio a realidade caótica em que vivia e em uma viagem cheia de excessos, casa-se com ela em Las Vegas. Uma espécie de Cinderela pós-moderna que acaba tão logo a estripulia chegue ao conhecimento dos pais do mocinho ( rebelde com/sem causa) um milionário (aqui não fica claro onde ele de fato atua ou de onde vem sua riqueza o que pouco importa) que entra na história para desfazer a brincadeira... O filme pode ser dividido em três partes: Um panorama da realidade vivida por Ivan, uma “porralouquice” de excessos, onde esbanja gastança de grana e vícios em meio a amigos e desconhecidos e o encontro com Anora, até então Ani;  em seguida a viagem para Las Vegas, mais doses cavalares de excessos e o casamento;  por fim a descoberta e a busca dos capangas (?) dos pais em busca da anulação do casamento. Há em todo esse excesso, como na obra de Baker, uma preocupação social, especificadamente a questão trabalhista, quando utiliza as trabalhadoras do sexo, as garotas de programa e suas relações com os cafetões.... Vendido nitidamente errado, os desavisados podem pensar numa história romântica... o que não acontece aqui... A relação de Ivan e Ani é meramente sexual, inclusive um sexo meio que fora dos padrões de uma dita relação romântica... A maneira como Ivan faz sexo com Ani é meio que uma espécie de extensão de sua relação com os joguinhos eletrônicos, nitidamente... inclusive há uma cena em que ela sutilmente reclama da insensibilidade e velocidade dele enquanto transam...  Não há em momento algum, nenhuma cena tipicamente romântica, nenhuma troca de olhares... Ivan contratou uma garota de programa para fazer programa... Ani vê em Ivan uma oportunidade de ganhar muita grana, coisa que ele tem de sobra... O combinado não sai caro e aí eles se entendem... O filme muda a narrativa no seu terço final, onde o exagero reina em meio a um humor rasgado e as vezes forçado. As cenas de perseguição ficam intensas, a personagem da Madison cresce quando abandona o tom submisso e meio plastificado e tenta, (ai deixa a Ani de lado e nasce de fato Anora) inutilmente se impor e até fazer discurso em nome de um amor que, sabemos desde sempre, não existe. Baker tem por hábito trabalhar com elenco de não atores, nos seus primeiros Tangerine e Projeto Florida, conseguiu alguma notabilidade, principalmente nos festivais que seguem a linha da premiação do inusitado e revolucionário, e, igualmente esquecidos (Quem aí lembra do incensadíssimo e premiado Tudo, Em Todo Lugar, Ao mesmo Tempo? Praticamente muitos poucos). Abordar temos espinhosos de levada social com baixo orçamento é sua premissa.... Alguns vão reclamar esse lugar de fala, onde o cinema dito inovador, provocativo e, sobretudo dito autoral ganha chuva de aplausos, minutos de notoriedade, e pasmem, premiações, não atoa faturou Palma de Ouro, Prêmio AFI: Melhor Filme do Ano, British Independent Film Award, New York Film Circle Award de melhor roteiro.... Não é pouco. Apesar de que premiação não é parâmetro de juízo de valor afinal, se um bando de maluco elege não quer dizer unanimidade, e neste caso unanimidade é o juízo de valor de cada um de nós. É um filme que dividirá opiniões, agradará aos mais jovens que numa espécie de visão de si mesmo na tela, se sentirão representados.... Isso é pouco. A atuação do elenco, que não conta com grandes estrelas é um trunfo, aí destacando-se a Mikey Madison, uma atriz que talvez esteja no seu melhor e grande papel. O filme conta com uma boa e pertinente trilha sonora e fotografia regular, já seu roteiro se destaca e não à toa foi premiado. Com um final dúbio e inesperado, Baker nos entrega nos minutos finais talvez a sensibilidade e o sentimento que talvez pudesse modificar a premissa inicial da narrativa.

Nos cinemas a partir de 23 de janeiro

Ficha Técnica:

Título: ANORA

Direção: Sean Baker

Roteiro: Sean Baker

Elenco: Mikey Madison, Mark Eydelshteyn, Yura Barisov, entre outros  

terça-feira, 14 de janeiro de 2025


 MARIA CALLAS

Minha vida é ópera, e não há razão na ópera

Pablo Larraín construiu uma trilogia, espécie de tributo a três figuras femininas (seriam heroínas na concepção de alguns??) que tiveram participação determinante na história da humanidade, cada uma a seu jeito, seu universo e seu  raio de atuação: Jackie O. , Spencer (Lady Di) e Maria Callas, esta última que agora chega aos cinemas carregada de incenso e elogios encerra a saga. As duas primeiras têm um bom período de suas biografias roteirizadas, já essa última, apenas um recorte de seus últimos dias de vida, apesar de muito pouco, determinante e preciso para que pudéssemos com esse pouco ter uma mínima noção da Diva que foi. Colaborador de Spencer, Steven Knight optou por um roteiro atípico, logo nos minutos iniciais já somos impactados com o corpo de Callas sendo removido de seu apartamento em Paris, onde morre sozinha e é encontrada pelos serviçais. O filme volta sete dias antes, agora sim, iniciando a narrativa e nos mostrando o que levou ou trágico momento inicial. Impressionante como o mantra “Crepúsculo dos deuses” é comum para alguns dos grandes mitos, no caso de Callas, ter limitação na voz e até mesmo começar a perde-la foi algo determinante para seu abalo psicológico e físico, sobretudo sua vaidade... Pude ver algumas versões teatrais, inclusive a mais antológica delas com Marilia Pêra, que anos depois dirigiu a Silvia Pfeifer no mesmo papel... a tônica é a mesma... Aqui Angelina Jolie nos traz uma Callas altiva, soberba, vaidosa, de humor por vezes ácido, por vezes debochadamente cínico... no entanto uma mulher altiva, sutilmente autoritária, para não parecer pedante, mas ao mesmo tempo frágil e perturbada psico e fisicamente... Já com problemas vocais,  dependente de remédios, ainda assim  confiante e imperturbável, soltando gracejos para quem quer que cruze seu caminho. A diva passeia por Paris abastecida por drogas em sua fase terminal, onde é entrevistada por um repórter (fictício?) que responde por Mandrax, ironicamente o nome de uma de suas medicações. Essa entrevista é o recurso encontrado por Larrin para fazer um flashback de sua vida, aí incluso o encontro com Onassis, seu grande amor (quando ainda casada), suas apresentações e seu declínio. Há em Callas um certo inconformismo com a posição do piano na sala que é mudado de lugar a exaustão ao longo do filme, tarefa de seu fiel escudeiro, o mordomo da casa que, junto a governanta convive com ela em seus últimos dias, quem sabe uma forma sutil de se impor: Ainda estou aqui... É comovente a forma cuidadosa e a preocupação que o mordomo tem para com ela, a certeza da finitude e o incentivo a se tratar, decididamente tudo que Callas dispensava. O elenco está primoroso, assim como as locações, o figurino (impecável) os objetos de cena e a sonoplastia que dispensa comentários (a voz de Angelina é mixada com gravações originais de Callas, um assombro de belas e perfeitas). As produções do Larrin são conhecidas pelo apuro técnico e direção cirúrgica de cenas... Há uma simetria, um dom maior em centralizar e destacar suas musas em cena que tornam seus filmes experiências únicas...  Os planos abertos onde Callas adentra os ambientes  ou caminha peças ruas são de uma beleza singular... Vê-la caminhando ao longo da narrativa num outono nas ruas cobertas por folhas caídas é pura poesia. Angelina Jolie está confortável num papel feito praticamente sob encomenda, além de uma aparência física com Callas que impressiona, sua postura em cena é correta, tocante e verdadeira.... Construiu com respeito e dignidade uma Callas que nos toca e nos emociona sem maneirismos, drama barato e apelações... Seu porte e sua elegância falam por si só remetendo a mulher atordoada pela finitude corroída por um amor toxico, mas ainda assim altiva, centrada, inspirada (suas tiradas ao longo do filme são fenomenais) e sobretudo Diva.   O Onassis do Haluk Bilginer  é outro trunfo do filme, sua atuação é incorrigível e bate um bolão com Jolie num perfeito equilíbrio... Ambos donos de si (“Sou feio mais sou rico e tenho tudo que quero” ... e teve mesmo, inclusive ela ). Há uma cena simples onde Callas entrega o que Onassis teria sido pra ela, quando relata aos serviçais que Onassis aparece pra ela todas as noites... Um recurso provincial do filme:  momentos atuais em cores quentes e solares e p&b para uma espécie de marcação do tempo, as memorias em flashbacks. Um achado que acrescenta muito a narrativa, e torna esse, um dos filmes com uma das mais belas fotografias deste ano.

Nos cinemas a partir de 16.01.2025

Ficha Técnica:

Título: CALLAS

Direção: Pablo Larrai

Roteiro: Steven Knight 

Elenco: Angelina Jolie, Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher, Haluk Bilginer