terça-feira, 25 de dezembro de 2012


Mãe Canô
 
Em 2008 fiz um dos mais belos trabalhos de minha carreira fotográfica: Uma homenagem aos 100 anos de Dona Canô. Movido pela admiração que nutria desde o dia que a conheci pessoalmente, não poderia deixar de prestar-lhe um tributo em tão importante data. Um centenário é para muito poucos, principalmente quando se trata de uma mulher forte e delicada, dona de uma doçura jamais vista. Foram meses de viagens para Santo Amaro, entrevistas, sessão de fotos e muita emoção. A generosidade de Canô me permitiu adentrar sua casa, sua rotina diária, seus pensamentos, enfim sua existência, a vontade, sem preocupações habituais. Foram longos os papos regados a muita risada e muitas lágrimas. Sim, nos momentos de emoção, impossível contê-las. Impressionou-me a rotina da casa, suas portas abertas, as visitas que chegavam, o carinho das pessoas, o telefone que não parava  e a  tranquilidade como uma jovem senhora centenária conduzia com paciência e doçura toda aquela movimentação. Impossível esquecer os papos, as observações, os detalhes, sim, conversar com Canô demandava atenção para a avalanche de conteúdo, uma vez que a riqueza de detalhes era palavra de ordem para cada abordagem. Foi uma experiência  ímpar, enriquecedora e delicada. Não esqueço  um detalhe que me emocionou e me chamou atenção: Ela adora ser chamada de mãe, mãe Canô. No texto que confeccionei  sem saber,  para apresentação da exposição chamei-a de mãe da Bahia, o que deixou-a  extremamente feliz.

Nas sessões de fotos a descontração era a palavra de ordem,  a naturalidade e simplicidade deixavam-me a vontade e o trabalho fluía com naturalidade. Fiz o vernissage lá em Santo Amaro e no dia e horário marcado lá estava ela vestidinha de azul, com um sorriso estampado na face e toda boa vontade do mundo. Fizemos muitas fotos e pra surpresa geral passou a maior parte do tempo recebendo as pessoas, distribuindo sorriso e autógrafos nos cartões comemorativos que confeccionei. Daí em diante,  nos tornamos amigos, não nos falávamos com muita frequência, mas nas datas comemorativas sempre era uma festa pelo telefone: Dia das mães, aniversário, natal, ano novo... A cobrança era sempre a mesma: Quando você aparece pra tomar um café meu fotógrafo??... Pequei, na minha correria e prioridades outras, apareci pouco e continuei sempre planejando. Falamo-nos  a última vez num show da Bethânia no Teatro Castro Alves (Bethânia canta Chico). Fã número um da diva, sempre estava em todos os shows distribuído sorriso e simpatia. Ontem durante a ceia do Natal lembrei  dela e fiz um rápido comentário com minha mãe, um natal sem ouvir seus desejos e votos, sua risada fraquinha, mas sincera e iluminada, sem desejar-lhe saúde e força. Acordo pela manhã e sou literalmente agredido pela notícia na primeira página da internet... Foi um choque grande, mas de certa forma um  certo alivio...Como seria bom se tivéssemos a fórmula da eternidade, como seria bom se nossos corpos tivessem o poder das nossas almas, a exemplo da iluminada alma de Canô... Mas cansamos, debilitamo-nos e tenho certeza que ela já andava meio cansada... Saramago dizia que não tinha medo de morrer, tinha pena porque a vida era muito bela para abandoná-la... É fato, a vida é bela e mais bela se faz com almas iluminadas como a de Canô que nos deixa um pouquinho no escuro, mas com toda certeza será estrela de singular brilho e beleza no céu.

                                                                                                                 Mário Edson

Um comentário:

  1. Ah, que dádiva, Mario Edson! Parabéns, também, pelo texto! Tão belo o seu pensar!!!!

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