Mãe Canô
Em 2008 fiz um dos mais belos
trabalhos de minha carreira fotográfica: Uma homenagem aos 100 anos de Dona
Canô. Movido pela admiração que nutria desde o dia que a conheci pessoalmente,
não poderia deixar de prestar-lhe um tributo em tão importante data. Um
centenário é para muito poucos, principalmente quando se trata de uma mulher
forte e delicada, dona de uma doçura jamais vista. Foram meses de viagens para
Santo Amaro, entrevistas, sessão de fotos e muita emoção. A generosidade de Canô
me permitiu adentrar sua casa, sua rotina diária, seus pensamentos, enfim sua existência,
a vontade, sem preocupações habituais. Foram longos os papos regados a muita
risada e muitas lágrimas. Sim, nos momentos de emoção, impossível contê-las.
Impressionou-me a rotina da casa, suas portas abertas, as visitas que chegavam,
o carinho das pessoas, o telefone que não parava e a tranquilidade como uma jovem senhora centenária
conduzia com paciência e doçura toda aquela movimentação. Impossível esquecer
os papos, as observações, os detalhes, sim, conversar com Canô demandava
atenção para a avalanche de conteúdo, uma vez que a riqueza de detalhes era palavra
de ordem para cada abordagem. Foi uma experiência ímpar, enriquecedora e delicada. Não esqueço um detalhe que me emocionou e me chamou
atenção: Ela adora ser chamada de mãe, mãe Canô. No texto que confeccionei sem saber, para apresentação da exposição chamei-a de mãe
da Bahia, o que deixou-a extremamente feliz.
Nas sessões de fotos a
descontração era a palavra de ordem, a
naturalidade e simplicidade deixavam-me a vontade e o trabalho fluía com
naturalidade. Fiz o vernissage lá em Santo Amaro e no dia e horário marcado lá
estava ela vestidinha de azul, com um sorriso estampado na face e toda boa
vontade do mundo. Fizemos muitas fotos e pra surpresa geral passou a maior
parte do tempo recebendo as pessoas, distribuindo sorriso e autógrafos nos
cartões comemorativos que confeccionei. Daí em diante, nos tornamos amigos, não nos falávamos com
muita frequência, mas nas datas comemorativas sempre era uma festa pelo
telefone: Dia das mães, aniversário, natal, ano novo... A cobrança era sempre a
mesma: Quando você aparece pra tomar um café meu fotógrafo??... Pequei, na
minha correria e prioridades outras, apareci pouco e continuei sempre
planejando. Falamo-nos a última vez num
show da Bethânia no Teatro Castro Alves (Bethânia canta Chico). Fã número um da
diva, sempre estava em todos os shows distribuído sorriso e simpatia. Ontem
durante a ceia do Natal lembrei dela e
fiz um rápido comentário com minha mãe, um natal sem ouvir seus desejos e
votos, sua risada fraquinha, mas sincera e iluminada, sem desejar-lhe saúde e
força. Acordo pela manhã e sou literalmente agredido pela notícia na primeira
página da internet... Foi um choque grande, mas de certa forma um certo alivio...Como seria bom se tivéssemos a
fórmula da eternidade, como seria bom se nossos corpos tivessem o poder das
nossas almas, a exemplo da iluminada alma de Canô... Mas cansamos,
debilitamo-nos e tenho certeza que ela já andava meio cansada... Saramago dizia
que não tinha medo de morrer, tinha pena porque a vida era muito bela para
abandoná-la... É fato, a vida é bela e mais bela se faz com almas iluminadas
como a de Canô que nos deixa um pouquinho no escuro, mas com toda certeza será
estrela de singular brilho e beleza no céu.
Mário Edson
Ah, que dádiva, Mario Edson! Parabéns, também, pelo texto! Tão belo o seu pensar!!!!
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