quinta-feira, 13 de março de 2025


VITÓRIA

 

Um daqueles filmes impactantes, cujo mote do roteiro pode parecer algo simples e muito limitado na abordagem é mero engano... A sinopse pode assim ser resumida: idosa moradora de Copacabana vive o desassossego por ter seu prédio inserido em zona de tráfico, cujos dias e noites são verdadeiros pesadelos em meio a disputa entre facções, policia, marginais e viciados... O cotidiano é o cenário constante de balas perdidas... Cansada de não obter apoio e nem mesmo escuta das autoridades policiais, decide por conta própria adquirir uma filmadora e grava tudo que acontece no bairro de sua janela...

Dirigido pelo Andrucha Waddington e estrelado pela Fernanda Montenegro, é um daqueles filmes que nos surpreendem do início ao fim. Contracenando com Fernanda, um elenco muito bacana, há momentos que nos impactam e nos emocionam tamanha é a naturalidade e desenvoltura, inclusive da criança, em alguns momentos nos faz lembrar Central do Brasil, onde Fernando da mesma forma, contracenou com um garoto, o Vinicius, em outro show de atuação. Lina (Montenegro) vive uma rotina solitária onde seus contatos são com algumas poucas clientes (ela é massagista), a vizinha de porta e o garoto que constantemente ajuda com as sacolas de compras ou em pequenos afazeres... Lina vive as voltam com ele, brindando com lanches e as vezes uma graninha, mas o maior de tudo é seu acolhimento e seu cuidado. Sua rotina só é quebrada com a gritaria e os tiros que num crescendo acaba por se tornar parte do cotidiano do lugar. Do alto de seu quase centenário de vida Fernanda pula, se agacha, se joga no chão, sem dublês, em cenas que comovem e surpreendem.... Que mulher forte e determinada. A concepção de seu personagem nos passa uma verdade incontestável, seu olhar, mais uma vez seu olhar, é algo singular, de uma força e de uma comunicação que somente monstros sagrados são capazes... A narrativa, com exceção de algumas poucas cenas, é basicamente no pequeno apartamento onde Lina vive acompanhada por suas memórias. Uma cena em particular (e existem muitas) guarda uma simbologia e uma poesia que somente grandes diretores são capazes de nos brindar, o momento em que quebra uma xícara de grande estimação... a sequência de cenas após o incidente é uma espécie de premonição da história... O juntar cacos, colar para recompor e a decepção com a percepção que os remendos (até mesmo na vida) não funcionam.... Um belo achado do filme. A atuação do garoto (Thawan Lucas) e sua evolução em meio ao envolvimento com drogas é um primor para um iniciante... Uma das pérolas do filme. A presença de Linn da Quebrada também não decepciona, seu olhar para a Fernanda é uma espécie de boa atuação aliada a uma incontida admiração (pqp... estou contracenando com um monstro da dramaturgia...parece estar pensando ela). A Copacabana mostrada não chega nem de longe com o glamour com que é mostrada pra turista se apaixonar... São becos e vielas sujos, povoados por gente assustada, cuja trilha sonora constante são tiros de revolveres e escopetas... É neste universo que uma idosa solitária transita, horas na solidão no banco em frente a praia, horas numa conturbada mobilidade em meio a correria e urgência das pessoas, horas sob o espanto dos maus tratos no mercado, horas sob a bondade e empatia que emana de seu coração, horas sob o desespero dos tiroteios... Ao termino do filme é quase impossível levantar antes de subirem os créditos, não raro lágrimas despontam sem muito controle... Poucas vezes uma realidade tão crua e bem retratada, sem sensacionalismos, e até mesmo com a beleza poética que emana dos corações empáticos e esperançosos, foi mostrada. Cumpre lembrar que a direção seria do Breno Silveira que numa fatalidade nos deixou nos primeiros dias de gravação (2022), missão passada e cumprida com louvor pelo Andrucha Waddington.

Corram para ver, vocês não vão se arrepender!!! É o cinema nacional brilhando e encantando como nunca.... Em cartaz nos cinemas.

Ficha Técnica:

Direção: Andrucha Waddington

Roteiro: Breno Silveira, Paula Fiuza

Elenco: Fernanda Montenegro, Laila Garin, Linn da Quebrada, Thawan Lucas, Alan Rocha, entre outros

 

 

 

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