terça-feira, 22 de outubro de 2024


O QUARTO AO LADO

Decididamente Pedro Almodóvar amadureceu, caminhando para suas oito décadas de existência. Amadureceu lindamente sem perder sua essência, sem perder as características singulares que o fizeram o maior cineasta espanhol de sua geração e o reverberaram para o mundo... O QUARTO... é a prova cabal disso.... Estão lá muitos dos seus temas, seus elementos, suas inquietudes. Com elenco enxuto e estrelar, a narrativa nos fala do recorte de vida de duas amigas, uma delas com câncer terminal, motivo de reencontro anos depois de uma convivência e a experiência de conviver com a aproximação da morte. Cansada dos tratamentos que prometem uma cura cada vez mais difícil Martha (Tilda Swinton, um colosso) resolve desistir e abraçar a morte, precisando, portanto, do auxílio da amiga Ingrid (Julianne Moore, incorrigível atuação). Após o reencontro passam a conviver aguardando a hora da partida...  E é exatamente esses momentos de convivência que antecedem o grande dia da partida que o filme se sustenta nos brindando com momentos de rara beleza onde um manancial de temas são explorados de maneira casual e natural... Aqui há momentos de se falar da finitude, da confusa rota da humanidade em meio a uma possível colisão com o inevitável caos, politica, arte, amizade e cinema, que em belas cenas recebe uma poética homenagem... Emoldurada com uma trilha bacana, a narrativa é construído num cenário de rara beleza onde as famosas cores quentes, marca registrada do Almodóvar, aqui agora são de um equilíbrio e de um estilo pouco visto na cinematografia atual. Seus elementos de cena fazem parte da cena como se fossem personagens, gritam aos olhos e contribuem de maneira exemplar para o enriquecimento de cada mensagem, de cada momento poético e edificador. Martha aluga uma casa, muda-se em companhia de Ingrid para lá passarem os últimos momentos... A arquitetura da casa é detalhe a parte e só agrega a narrativa...A morte aqui, mola propulsora da narrativa, é vista e questionada de forma leve e sutil... Há uma certa apreensão por conta dos ganchos e pequenos detalhes que o mestre constrói que tornam a evolução para o esperado final mais bem costurado e equilibrado, onde pouco de fala e muito se observa na sutileza de seus recados. A atuação do trio de atores, aqui incluso o John Turturo é de uma beleza e grandeza singular. Primeira experiência com produção em língua inglesa, e, lastreado em sua experiência na direção de atores americanos, ainda que em produções não inglesas, a direção é primorosa e faz desta, uma grande e acertada estreia. Fugindo das armadilhas que poderiam prontamente se estabelecerem, a síntese desta pequena e valioso pérola não cai no dramalhão rasgado como geralmente o fazem filmes cuja morte eminente é tema central.... Aqui os questionamentos são profundos e leves, por vezes até com sutil humor. A química entre as duas atrizes é um achado: uma é escritora e teme a morte, exorcizando este medo através de seus livros, a outra é jornalista, correspondente de guerra e viveu momentos no limiar dos confrontos tendo a morte como previsível final... uma ironia que se torna um desafio pautada no equilibro e conscientização... São duas mulheres com suas histórias de vida que, através de uma bela e verdadeira amizade, se reencontram, se reconectam e se completam... A decisão de Martha em pôr fim ao seu sofrimento e a necessidade de um suporte para que não esteja sozinha neste momento cria através dessa premissa uma oportunidade para que as duas juntas revejam suas vidas, seus valores e, sobretudo, suas crenças e conceitos... Proibida no EUA, a eutanásia é, e sempre foi motivo de acalorada polemica, no entanto aqui não é condição, não é prioridade... Alguns podem achar que os temas abordados de ambas as vidas dos personagens já foram abordados a exaustão, cumpre no entanto lembrar; talvez sem a beleza, a poesia e a sensibilidade como aqui é feito, através do talento e carisma da dupla que encontra em sua química o equilíbrio perfeito que nos emociona, e nos inquieta sem no entanto cair no clichê da auto ajuda... Um feito.

Premiado, incensado e comentado, O QUARTO... já chega mostrando sua capacidade de impacto. Baseado no livro O QUE VOCÊ ESTÁ ENFRENTANDO, de Sigrid Nunez, com roteiro adaptado do próprio Almodóvar, foi o vencedor do festival de Veneza e promete causar nas demais premiações culminando certamente com várias indicações ao Oscar, prêmio máximo e esperado pela legião de cinéfilos, o que diante mão já se mostra um impasse: a atuação das duas atrizes se equilibram, ambas possuem mesmo tempo t em cena...E agora? Duas protagonistas.... Assistir O QUARTO... é experiência obrigatória aos amantes da sétima arte, uma vez que aqui encontramos um exemplo genuíno das boas construções, do cinema belo e bem realizado, de atuações irretocáveis e, sobretudo de um Almodóvar maduro e deliciosamente inteligente, aliás, como de costume.

Nos cinemas a partir de 24 de outubro.

Ficha Técnica:

Título: O QUARTO AO LADO

Direção e Roteiro: Pedro Almodóvar

Elenco: Julianne Moore, Tilda Swinton, John Turturro

 

 

 

 

quinta-feira, 3 de outubro de 2024


CORINGA - Delírio a Dois

Cresci mergulhado e maravilhado com o universo dos quadrinhos, e, em meio a Turma da Mônica e O Universo dos Super Heróis … Sendo que neste último, Barman e Super-Homem tinham cadeira cativa, sedimentei minhas grandes referências cinematográficas … CORINGA , um dos ou senão o mais fascinante dos vilões do universo do Batman sempre me chamou atenção … O Coringa do Heath Ledger fez história, foi um divisor de águas na personificação dos vilões … assim como o do Joaquin Phoenix de 2019… Eis que agora nos chega o CORINGA - Delírio a Dois , uma superprodução que quadruplicou de orçamento e ousou na junção de drama e musical … vamos combinar, uma ousadia muito próxima de um possível tiro no pé … o que, por pouco não aconteceu … A trajetória do Coringa, agora preso e aguardando julgamento, é dramática, pesada e, continua numa sucessão de abusos sofridos … Traçar essa narrativa em meio a números musicais é tarefa hercúlea … para poucos … Não convém aqui falar mais detalhadamente da sinopse sob pena de incorrer em MUITOS spoilers… Se faz necessário o impacto da surpresa, ainda que o pouco material divulgado fatalmente nos induza a uma possível narrativa que, pode ser de fato, não a verdadeira do filme … Ficamos aqui …
Joaquim Phoenix continua um monstro na atuação … nos entrega um CORINGA visceral e, pasmem ainda mais completo … um absurdo de atuação que só grandes atores dão conta … Lady Gaga, pode não estar num bom momento mas, nos brinda com bons números musicais, no entanto, honestamente, está a Kms luz distante da visceralidade do Phoenix e não deixa de ficar meio solta, sem função… Os números musicais puxam a dramaticidade pra baixo em alguns momentos … tornam a narrativa mais comprida do que de fato deveria ser e lhe rouba o potencial dramático … o que poderia ser evitado com um corte de 20 minutos … decididamente não faria falta alguma … A ideia da continuação (neste caso ) procede e é até pertinente, apesar de que, o que vemos aqui é um Coringa vivendo(ainda) os abusos, meio que conformado e menos ou não violento, de certa mais do mesmo … Com fotografia soturna, trilha mediana e roteiro meio amarrado e totalmente entregue a cenas internas, fica nos devendo o deslumbre das cenas de ação e, principalmente dos delírios do Coringa… sua marca registrada … Acabou vkirando mais um filme de tribunal... Mas, ainda assim não deve deixar de ser visto !
Vale destacar que as músicas são verdadeiras pérolas desde a década de 70 a 90… puro deleite para bons ouvidos … uma versão de Né Me Quitte Pas com Joaquim ao telefone é bem bacana, um primor .
Nos cinemas a partir de 3 de outubro !


Ficha Técnica:
Título : CORINGA Delírio a Dois
Direção : Todd Phillips
Roteiro : Scott Silver e Todd Phillips
Elenco : Joaquin Phoenix, Lady Gaga