O QUARTO AO LADO
Decididamente Pedro Almodóvar amadureceu, caminhando para suas oito décadas de existência. Amadureceu lindamente sem perder sua essência, sem perder as características singulares que o fizeram o maior cineasta espanhol de sua geração e o reverberaram para o mundo... O QUARTO... é a prova cabal disso.... Estão lá muitos dos seus temas, seus elementos, suas inquietudes. Com elenco enxuto e estrelar, a narrativa nos fala do recorte de vida de duas amigas, uma delas com câncer terminal, motivo de reencontro anos depois de uma convivência e a experiência de conviver com a aproximação da morte. Cansada dos tratamentos que prometem uma cura cada vez mais difícil Martha (Tilda Swinton, um colosso) resolve desistir e abraçar a morte, precisando, portanto, do auxílio da amiga Ingrid (Julianne Moore, incorrigível atuação). Após o reencontro passam a conviver aguardando a hora da partida... E é exatamente esses momentos de convivência que antecedem o grande dia da partida que o filme se sustenta nos brindando com momentos de rara beleza onde um manancial de temas são explorados de maneira casual e natural... Aqui há momentos de se falar da finitude, da confusa rota da humanidade em meio a uma possível colisão com o inevitável caos, politica, arte, amizade e cinema, que em belas cenas recebe uma poética homenagem... Emoldurada com uma trilha bacana, a narrativa é construído num cenário de rara beleza onde as famosas cores quentes, marca registrada do Almodóvar, aqui agora são de um equilíbrio e de um estilo pouco visto na cinematografia atual. Seus elementos de cena fazem parte da cena como se fossem personagens, gritam aos olhos e contribuem de maneira exemplar para o enriquecimento de cada mensagem, de cada momento poético e edificador. Martha aluga uma casa, muda-se em companhia de Ingrid para lá passarem os últimos momentos... A arquitetura da casa é detalhe a parte e só agrega a narrativa...A morte aqui, mola propulsora da narrativa, é vista e questionada de forma leve e sutil... Há uma certa apreensão por conta dos ganchos e pequenos detalhes que o mestre constrói que tornam a evolução para o esperado final mais bem costurado e equilibrado, onde pouco de fala e muito se observa na sutileza de seus recados. A atuação do trio de atores, aqui incluso o John Turturo é de uma beleza e grandeza singular. Primeira experiência com produção em língua inglesa, e, lastreado em sua experiência na direção de atores americanos, ainda que em produções não inglesas, a direção é primorosa e faz desta, uma grande e acertada estreia. Fugindo das armadilhas que poderiam prontamente se estabelecerem, a síntese desta pequena e valioso pérola não cai no dramalhão rasgado como geralmente o fazem filmes cuja morte eminente é tema central.... Aqui os questionamentos são profundos e leves, por vezes até com sutil humor. A química entre as duas atrizes é um achado: uma é escritora e teme a morte, exorcizando este medo através de seus livros, a outra é jornalista, correspondente de guerra e viveu momentos no limiar dos confrontos tendo a morte como previsível final... uma ironia que se torna um desafio pautada no equilibro e conscientização... São duas mulheres com suas histórias de vida que, através de uma bela e verdadeira amizade, se reencontram, se reconectam e se completam... A decisão de Martha em pôr fim ao seu sofrimento e a necessidade de um suporte para que não esteja sozinha neste momento cria através dessa premissa uma oportunidade para que as duas juntas revejam suas vidas, seus valores e, sobretudo, suas crenças e conceitos... Proibida no EUA, a eutanásia é, e sempre foi motivo de acalorada polemica, no entanto aqui não é condição, não é prioridade... Alguns podem achar que os temas abordados de ambas as vidas dos personagens já foram abordados a exaustão, cumpre no entanto lembrar; talvez sem a beleza, a poesia e a sensibilidade como aqui é feito, através do talento e carisma da dupla que encontra em sua química o equilíbrio perfeito que nos emociona, e nos inquieta sem no entanto cair no clichê da auto ajuda... Um feito.
Premiado, incensado e comentado, O QUARTO... já chega mostrando sua capacidade de impacto. Baseado no livro O QUE VOCÊ ESTÁ ENFRENTANDO, de Sigrid Nunez, com roteiro adaptado do próprio Almodóvar, foi o vencedor do festival de Veneza e promete causar nas demais premiações culminando certamente com várias indicações ao Oscar, prêmio máximo e esperado pela legião de cinéfilos, o que diante mão já se mostra um impasse: a atuação das duas atrizes se equilibram, ambas possuem mesmo tempo t em cena...E agora? Duas protagonistas.... Assistir O QUARTO... é experiência obrigatória aos amantes da sétima arte, uma vez que aqui encontramos um exemplo genuíno das boas construções, do cinema belo e bem realizado, de atuações irretocáveis e, sobretudo de um Almodóvar maduro e deliciosamente inteligente, aliás, como de costume.
Nos cinemas a partir de 24 de outubro.
Ficha Técnica:
Título: O QUARTO AO LADO
Direção e Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Julianne Moore, Tilda Swinton, John Turturro