AINDA ESTOU AQUI
Adaptação do livro homônimo autobiográfico do Marcelo Rubens Paiva, filho do Rubens Paiva que é sequestrado e dado como desaparecido pela ditadura militar brasileira na década de setenta. A narrativa centra foco em Eunice Paiva, mãe de Marcelo que, a época dona de casa, assume a criação dos filhos sozinha e inicia a luta em busca das explicações acerca do desaparecimento do marido. Nesta trajetória se reinventa, volta a estudar, e como advogada passa a ser ativista nas questões dos direitos humanos. Marcelo Rubens Paiva, já conhecido pelo seu livro Feliz Ano Velho, também autobiográfico, onde relata o acidente que sofreu aos 20 anos e o deixou tetraplégico. Completando pouco mais que 40 anos, o livro foi adaptado para cinema e para teatro, o que deve acontecer com esse seu Ainda Estou aqui, que logo deve subir aos palcos.
Walter Salles é amigo pessoal da família Paiva, o que poderia lhe render ganhos nessa empreitada e, obviamente a depender de sua condução lhe trazer também dor de cabeça... saltou essa fogueira com louvor e nos brinda com um filme magnifico. Arriscaria a dizer até que esse é seu momento de amadurecimento após nos ter oferecido grandes sucessos como Central do Brasil (inesquecível) e Abril Despedaçado (Outra obra prima na humilde opinião deste que vos escreve). A adaptação feita por Walter para o filme faz um prólogo onde por cerca de meia hora nos traz um painel da vida e da relação do Rubens com a mulher, os filhos e os amigos... O pai doce e dedicado, marido amoroso e apaixonado e o amigo leal e afetuoso... uma forma de mostrar um pouco de quem foi esse homem nos poucos dias antes de ser sequestrado e executado pela ditadura. Não tive a oportunidade de ler o livro do Marcelo para estabelecer algumas opiniões acerca da adaptação, o que de certa forma julgo até desnecessário, quero lê-lo porque tenho certeza, será mais rico em situaçóes e detalhes impossíveis de serem acondicionados em duas horas de projeção...
Com uma direção sensível, mais nem por isso menos enfática e pontual, Salles nos mostra nas primeiras cenas um painel sócio-político-cultural da época. Estão lá o vendedor de mate com limão e seu indefectível uniforme verde Brasil, o habito indefectível de se bronzear com Coca-Cola, as músicas e os hábitos da época (quem ainda lembra de suflê???) .... Passada essa introdução idílica recebemos a porrada que foi o sequestro do Rubens. A partir daí vivemos o calvário da Eunice em meio a sua detenção, sim ela também foi presa para depoimentos, busca por explicações pelo sumiço do marido e a criação dos filhos.
A reconstituição de época é perfeita, em cada mínimo detalhe percebemos o excesso de cuidado e principalmente a excelência em sua legitimidade. A fotografia é exemplar, a maior parte das cenas são em ambientes fechados e a luz faz toda numa diferença ( as cenas finais são um assombro de belas... uma nostalgia a parte... a casa), principalmente na atuação dos atores que vai além dos protagonistas, aqui irretocáveis, um time de feras que atuam como coadjuvantes de luxo, o que contribui para o equilíbrio e a grandiosidade do filme...Aqui todos estão bem, aí levemos em consideração, até a presença minimalista da |Fernanda Montenegro que, sem spoiler, rouba a a cena... Cumpre-nos legitimar a soberba atuação da Fernanda Torres, aclamada em Veneza(veja os depoimentos de críticos nos principais jornais do mundo). Atriz mais conhecida por aqui por suas atuações cômicas, nos oferece uma Eunice de viés dramático equilibrado e cativante, sem em nenhum momento cair no drama rasgado (uma armadilha possível) e exagerado... Fernandinha nos brinda com uma Eunice forte, determinada, a frente de seu tempo, uma mãe zelosa e esposa dedicada que, apesar das atribuições do lar ressurge em meio a fatalidade com força e determinação. Um fato interessante, digno dos grandes mestres, Salles, através de pequenos detalhes em cena (tipo, um livro, um vinil, um quadro, um eletrodoméstico) faz, sem palavras um painel da época, um alerta político, um tributo... Coisa de gênio. Um filme necessário que nos resgata um pouco da história, por alguns esquecida... Uma forma de declarar amor aqueles que sofreram e sofrem pelos seus mortos ou desaparecidos... Um lição de rara beleza.
O filme teve estreia em Salvador última quinta e permanece até dia 26.09 em cartaz, objetivando qualificação para representar o Brasil na tentativa de uma possível indicação ao Oscar de melhor filme Internacional.
Ficha Técnica:
Titulo: AINDA ESTOU AQUI
Direção: Walter Salles
Roteiro: Murilo Hauser
Elenco: Fernanda Torres, Selton Mello, Humberto Carrão, Marjorie Estiano, Maeve Jinkings, Daniel Dantas, Dan Stulbach
Designer de Produção: Carlos Conti