domingo, 22 de setembro de 2024


 

AINDA ESTOU AQUI

 

Adaptação do livro homônimo autobiográfico do Marcelo Rubens  Paiva, filho do Rubens Paiva que é sequestrado e dado como desaparecido pela ditadura militar brasileira na década de setenta. A narrativa centra foco em Eunice Paiva, mãe de Marcelo que, a época dona de casa, assume a criação dos filhos sozinha e inicia a luta em busca das explicações acerca do desaparecimento do marido. Nesta trajetória se reinventa, volta a estudar, e como advogada passa a ser ativista nas questões dos direitos humanos. Marcelo Rubens Paiva, já conhecido pelo seu livro Feliz Ano Velho, também autobiográfico, onde relata o acidente que sofreu aos 20 anos e o deixou tetraplégico. Completando pouco mais que 40 anos, o livro foi adaptado para cinema e para teatro, o que deve acontecer com esse seu Ainda Estou aqui, que logo deve subir aos palcos.

Walter Salles é amigo pessoal da família Paiva, o que poderia lhe render ganhos nessa empreitada e, obviamente a depender de sua condução lhe trazer também dor de cabeça... saltou essa fogueira com louvor e nos brinda com um filme magnifico. Arriscaria a dizer até que esse é seu momento de amadurecimento após nos ter oferecido grandes sucessos como Central do Brasil (inesquecível) e Abril Despedaçado (Outra obra prima na humilde opinião deste que vos escreve). A adaptação feita por Walter para o filme faz um prólogo onde por cerca de meia hora nos traz um painel da vida e da relação do Rubens com a mulher, os filhos e os amigos... O pai doce e dedicado, marido amoroso e apaixonado e o amigo leal e afetuoso... uma forma de mostrar um pouco de quem foi esse homem nos poucos dias antes de ser sequestrado e executado pela ditadura. Não tive a oportunidade de ler o livro do Marcelo para estabelecer algumas opiniões acerca da adaptação, o que de certa forma julgo até desnecessário, quero lê-lo porque tenho certeza, será mais rico em situaçóes e detalhes impossíveis de serem acondicionados em duas horas de projeção...

Com uma direção sensível, mais nem por isso menos enfática e pontual, Salles nos mostra nas primeiras cenas um painel sócio-político-cultural da época. Estão lá o vendedor de mate com limão e seu indefectível uniforme verde Brasil, o habito indefectível de se bronzear com Coca-Cola, as músicas e os hábitos da época (quem ainda lembra de suflê???) .... Passada essa introdução idílica recebemos a porrada que foi o sequestro do Rubens. A partir daí vivemos o calvário da Eunice em meio a sua detenção, sim ela também foi presa para depoimentos, busca por explicações pelo sumiço do marido e a criação dos filhos.

A reconstituição de época é perfeita, em cada mínimo detalhe percebemos o excesso de cuidado e principalmente a excelência em sua legitimidade. A fotografia é exemplar, a maior parte das cenas são em ambientes fechados e a luz faz toda numa diferença ( as cenas finais são um assombro de belas... uma nostalgia a parte... a casa), principalmente na atuação dos atores que vai além dos protagonistas, aqui irretocáveis, um time de feras que atuam como coadjuvantes de luxo, o que contribui para o equilíbrio e a grandiosidade do filme...Aqui todos estão bem, aí levemos em consideração, até a presença minimalista da |Fernanda Montenegro que, sem spoiler, rouba a a cena... Cumpre-nos legitimar a soberba atuação da Fernanda Torres, aclamada em Veneza(veja os depoimentos de críticos nos principais jornais do mundo). Atriz mais conhecida por aqui por suas atuações cômicas, nos oferece uma Eunice de viés dramático equilibrado e cativante, sem em nenhum momento cair no drama rasgado (uma armadilha possível) e exagerado... Fernandinha nos brinda com uma Eunice forte, determinada, a frente de seu tempo, uma mãe zelosa e esposa dedicada que, apesar das atribuições do lar ressurge em meio a fatalidade com força e determinação. Um fato interessante, digno dos grandes mestres, Salles, através de pequenos detalhes em cena (tipo, um livro, um vinil, um quadro, um eletrodoméstico) faz, sem palavras um painel da época, um alerta político, um tributo... Coisa de gênio. Um filme necessário que nos resgata um pouco da história, por alguns esquecida... Uma forma de declarar amor aqueles que sofreram e sofrem pelos seus mortos ou desaparecidos... Um lição de rara beleza.

O filme teve estreia em Salvador última quinta e permanece até dia 26.09 em cartaz, objetivando qualificação para representar o Brasil na tentativa de uma possível indicação ao Oscar de melhor filme Internacional.

Ficha Técnica:

Titulo: AINDA ESTOU AQUI

Direção: Walter Salles

Roteiro: Murilo Hauser

Elenco: Fernanda Torres, Selton Mello, Humberto Carrão, Marjorie Estiano, Maeve Jinkings, Daniel Dantas, Dan Stulbach

Designer de Produção: Carlos Conti

terça-feira, 3 de setembro de 2024


PISQUE DUAS VEZES

Antes de qualquer coisa devo dizer que o cartaz do filme não é, de forma alguma convidativo (mero detalhe), mas devo lembrar que uma boa mídia, ainda que mentirosa, alavanca sim uma boa parte de curiosos... O cartaz de PISQUE... beira aqueles filmes de curto orçamento, direção duvidosa e elenco abaixo da média... O que destoa de tudo, de fato, daquilo que que o filme nos brinda...

Primeiro filme da Zoë Kravitz, que debuta na direção (e é também co-roteirista), e com louvor, é um daqueles lançamentos que nos surpreende, nos impacta e curiosamente nos arrebata... Tem se falado muito em comparações com Corra e Não se Preocupe Querida... Apesar de sabermos que nada é tão original na vida, devo acrescentar que PISQUE tem seus méritos, e, o maior deles é exatamente uma direção com força e personalidade, coisa rara de se ver tamanha a quantidade de bobagens mirando excelência que nos são ofertadas...Uma direção pontual, extremamente detalhista, sim, nessa narrativa os detalhes são o X de muitas das questões insinuadas e sutilmente despercebidas por olhares menos atentos... Um achado.  Com uma bela fotografia onde as cores fortes contrastam com cenas e emoções demasiadamente fortes aliadas a excelentes atuações, a narrativa nos brinda com 1 hora e 45 minutos de puro deleite cinematográfico. Aqui a direção de atores é primordial para sucesso da empreitada... Adria Arjona rouba algumas das cenas com um dos personagens bem emblemáticos e bem construídos e, beneficiada por alguns closes, (aliás outro recurso bem utilizado) nos presenteia com cenas inesquecíveis... A atuação de Naomi Ackie é primorosa e acertada. Atriz de muitos recursos cênicos transita por cenas que fatalmente em mãos menos preparadas soariam caricatas e previsíveis, mas não é o que acontece com ela que, brilha do início ao fim... Grata surpresa, a presença da Geena Davis, que no nosso imaginário habita como a gigante e bela de Thelma e Louise, aqui envelhecida, mas não menos talentosa... Bem, falar da sinopse é complicado porque quanto menos se falar da história melhor... É preciso que nos impactemos com ela... Milionário cancelado por abusos promove festa após retirada estratégica de cena e lá conhece acidentalmente (literalmente falando)uma garçonete ousada e determinada, encanta-se com ela e a convida para uma festinha particular em sua ilha... De maneira inusitada os convidados são levados a  ilha apenas com a roupa do corpo... descrever mais que isso é desnecessário... Permita-se mergulhar nesse escuro(literal do cinema) o que vem a seguir é puro deleite... Grande e inesperada surpresa da temporada de 2024, apesar de baixo orçamento, a boa ideia e, principalmente a maestria da execução dela, fara deste um dos grandes lançamentos deste ano.

É um filme forte e instigante com roteiro bastante criativo e final surpreendente..

Em Cartaz nos cinemas

Ficha Técnica:

Título: Pisque Duas Vezes (Blink Twice – EUA, 2024)
Direção
: Zoë Kravitz
Roteiro: Zoë Kravitz, E. T. Feigenbaum
Elenco: Naomi Ackie, Channing Tatum, Adria Arjona, Alia Shawkat, Christian Slater, Simon Rex, Haley Joel Osment, Liz Caribel, Trew Mullen, Levon Hawke, Geena Davis, Kyle MacLachlan
Duração: 102 min.