domingo, 26 de fevereiro de 2023


 

CLOSE

CLOSE É um daquele filmes diminutos na concepção, sem roteiros mirabolantes, sem atores estrelares, no entanto rico nas abordagens, e muito, muito corajoso nas pretensões. Segundo filme do diretor LUKAS DHONT aclamado com justiça com o  Grand Prix no Festival de Cinema de Cannes(o anterior, GIRL também premiado) tem causado por onde passa, foi assim no Festival do Rio e inúmeras outras praças, onde certamente é quase impossível passar despercebido. Partindo da amizade de dois jovens garotos, a direção firme ao mesmo tempo delicada e contemplativa faz um apanhado de reflexões, ai inclusas, crises da adolescência, homofobia, padrões sociais, machismo, perdas, luto e culpa... Um caldeirão que a princípio pode assustar, mas no fundo acaba por nos fazer refletir ao tempo que revemos conceitos e padrões, numa narrativa fluida, coerente e por vezes até poética.

Léo e Remi são dois inseparáveis amigos que vivem com as respectivas famílias num idílico campo de plantação de flores... No quase aquário onde vivem eles brincam, correm, andas de bicicleta, dormem juntinhos na mesma cama um na casa do outro num clima de total cumplicidade harmonia, amor e afeto, uma amizade verdadeira... Eis que é chegada a hora de encerrar as férias e adentrar o universo escolar, onde chegam inocentemente mantendo o mesmo padrão de convivência, o que é logo motivo de censura pelos colegas: Estariam “ficando”? Questiona uma coleguinha... Seriam namorados? Debocha uma outra...  Neste momento crescem as pressões sociais e a dupla é imposta a conviver com um ambiente hostil. Onde a virilidade masculina impera, ainda que entre os garotos. Ali as  relações entre meninos possuem outro padrão... Daí pra frente qualquer informação incorreria em spoilers.

Com fotografia deslumbrante em cores quentes, fortes e vibrantes, a narrativa sabiamente é conduzida com sensibilidade poética e sobretudo, beleza... As palavras as vezes perdem espaço para os olhares, os toques as contemplações, são econômicas, mas ainda assim em frases curtas são determinantes... Os enquadramentos, como o título sugere, são em sua maioria em closes, os rostos espelham as almas e seus conflitos. Com uma dupla de iniciantes jovens e talentosos (ambos com 13,14 anos  a época gravação) e um elenco de coadjuvantes igualmente talentoso, a narrativa é equilibrada, fluída e cativante. Não se trata aqui de um roteiro previsível e apelativo. Aqui a expectativa ronda e o carisma dos protagonistas nos avassala desde os minutos iniciais até o final...   É um filme tocante, revelador e sobretudo questionador, onde talvez nada (em nome das convenções) é o que parece ser. Indicado ao Oscar de filme internacional (antigo filme estrangeiro), representante da Bélgica, concorre com Argentina (1985), Polonia (EO), Alemanha (Nada de Novo no Front) e Irlanda(The Quiet Girl). Possivelmente CLOSE esteja a comer poeira das superproduções, alguns até mesmo premiados na mesma categoria em premiações outras, não carece, no entanto, ele dessa premiação. Já nasceu grande e premiado em toda sua importância e exuberância.

Ode a amizade, CLOSE é muito maior, muito mais edificante, reflexivo e questionador que seu diminuto nome, até mesmo do que qualquer obra de cunho panfletário, ou didática que seja. Aqui tudo é muito simples, humano, afetuoso e, portanto, grandioso, avassalador e edificante.

Ficha Técnica:

Título: CLOSE

Direção: Lukas Dhont

Roteiro: Lukas Dhont e Angelo Tijssens

Elenco: Eden Dambrine, Gustav De Waele, Émile Dequenne, entre outros

Nos cinemas a partir de 2 de março e em seguida no streaming ( MUBI)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023


 

CASAMENTO EM FAMÍLIA

Não fosse pelo afiado roteiro, com diálogos espertos e bem construídos e de humor acima da média, um elenco de estrelas e uma direção competente, CASAMENTO EM FAMÍLIA não passaria de uma sessão da tarde, o que está longe de sê-lo...

Casal jovem, filhos do quarteto está em crise na relação: Ela ávida pelo casamento e ela totalmente confuso e em dúvidas, o que os leva a um jantar em famílias para os pais se conhecerem e que sabe a luz ao fim do túnel para o grande dilema da relação... Só não imaginavam que segredos maiores e mais complexos pairavam nestas duas famílias... Ficamos por aqui para evitar spoiler... Casamentos sempre dão um bom caldo, temos muitos exemplos, em sua maioria comédias românticas ou no seu extremo, dramas rasgados e apelativos... CASAMENTO EM FAMÍLIA de maneira sábia e com um humor fino e inteligente fica entre um e outro, abordando temas universais entre os casais, conceitos e fórmulas para relações, dramas e comédias, cujas convivências acabam por se tornar deterioradas pelo desgaste da rotina, seja pela falta de amor ou pelo desgaste dele... Um leque de situações que compõem um universo onde sempre se tem algo a falar, discutir e refletir. Aqui não temos o famoso filme cabeça, nem tão pouco a bobagem da sessão da tarde, temos a fluidez de diálogos que nos provocam reflexões pertinentes, estejamos ou não satisfeitos em nossas relações/casamentos... Um primor! Richard Gere, o eterno galã do cinema está bem e convivendo pacificamente com o passar dos anos, seu charme e sua beleza no eterno sorriso de bom moço que conquistou o planeta envelheceram bem... Diane Keaton, uma atriz completa, faz bem sua lição de casa, apesar de nos mostrar que o tempo não lhe tem sido tão generoso, uma senhora do alto do sua elegância e encantadora beleza... Susan Sarandon brilha e rouba a cena com seu humor ácido e inteligente... É um filme para se ver só ou em família, garantia de boas risadas e boas reflexões... Em tempos difíceis e cobranças do politicamente correto, CASAMENTO EM FAMÍLIA sai pela tangente, dá seu recado com humor, leveza e, sobretudo, estrema elegância, afinal com o quarteto do elenco não se poderia esperar menos que isso.

Ficha Técnica:

Título: CASAMENTO EM FAMÍLIA

Direção e Roteiro: Michael Jacobs

Elenco: Richard Gere, Emma Roberts, Luke Bracey, Diane Keaton, Susan Sarandon e William H Macy, entre outros

Em cartaz nos cinemas

 

 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023


 

TILL – A BUSCA POR JUSTIÇA

Dirigido pela nigeriana Chinonye Chukwu, que em 2019 nos brindou com CLEMÊNCIA, TILL é um daqueles filmes que nos aplicam um soco no estômago que reverbera no Coração... O roteiro nos narra a luta de uma mãe negra por justiça peça bárbaro linchamento e assassinato do único filho adolescente Emmett, que vai passar as férias com os primos no Mississipi e não volta... A história verídica foi tema de documentário em 2015, de Keith Beauchamp (assina com a diretora o roteiro) que mergulhou fundo com propriedade  e foi uma base para a diretora, que numa sábia sacada, centrou toda a narrativa na luta da mãe... Evitou expor explicitamente a extrema violência que o garoto foi vitima e, numa espécie de narrativa subjetiva, centrou toda a carga dramática no sofrimento da mãe e sua luta... Um grande acerto. Para tal empreitada precisou de uma atriz de potencial dramático espetacular como a Danielle Deadwyler, uma monstra em cena cujo olhar devora a todos nós em suas aparições. A narrativa carrega alguns símbolos, principalmente nos minutos iniciais que nos conduzem a uma previsão e compreensão. A ação se passa na década de 50, é possível ter uma noção da posição dos negros aquela época, que, em alguns lugares, pontualmente eram mais execrados e mal vistos, a exemplo de Mississipi, onde ocorre o crime. Deadwyler nos brinda com uma ação espetacular, foi lembrada pelo Bafta e pelo SAG , mas esnobada pelo Oscar, que este ano limou completamente as atrizes negras, a exceção das coadjuvantes, que neste caso é aposta garantida (Basset), assim como o filme que passou também despercebido...  O elenco está bem, há uma liga forte entre eles e as atuações, sem exceção são todas elogiáveis, o clima de comoção é a tônica de uma narrativa que nos impacta ainda mais nos minutos finais (sem spoiler) a mãe se agiganta, nos surpreende e nos choca com uma postura jamais imaginada. Carregado numa dramaticidade sem ser piegas ou melodramático, TILL funciona mais como um alerta a reflexão afinal quase 70 anos depois se mostra quase que atual, ainda que com avanços e as conquistas, que não diria doas negros, mas da humanidade, ainda não chegamos ao ideal de humanização... De delicada e forte abordagem, TIL é cru sem ser cruel, é de uma força e uma delicadeza a toda prova. Inesquecíveis os olhares e os silêncios de uma protagonista que parece ter nascido para uma atuação magistralmente desafiadora... Danielle nos leva as lágrimas num momento em que a indiferença e a insensibilidade ao nosso próximo se tornaram lugar comum na trajetória de uma dita humanidade cada vez mais desumana.

Ficha Técnica:

Título: TILL – A Busca por Justiça

Direção: Chinonye Chukwu

Roteiro: Michael Reilly e Keith Beauchamp

Elenco: Danielle  Deadwyler, Jalyn Hall, Sean Patrick Thomas, John Douglas Thompson, entre outros

Em cartaz nos cinemas a partir de 9 de fevereiro