sábado, 3 de dezembro de 2022


O MENU

É um daqueles deliciosos filmes que nos causa surpresas e nos impacta com sua criatividade e inteligência na concepção de um roteiro sensacional com atuações impecáveis. Um grupo privilegiado de pessoas é convidado a jantar numa ilha. A narrativa é iniciada no embarque do grupo rumo ao restaurante do famoso chef. Ali temos uma noção de um pequeno perfil dos convidados em função de suas posturas, seus comentários e suas expectativas... Poucos privilegiados que são para a empreitada, cuja conta oscila em torno de 1.250 dólares, serão recebidos com pompas e circunstancias num ambiente elegante, com equipe imensa de garçons e atendimento misteriosamente excelente, e, ai vai a cereja do bolo, um chef famoso e misteriosamente elegante, exigente e, obviamente vaidoso. Partindo dessa premissa O MENU adentra o universo dos grandes restaurantes, onde a gastronomia gourmet passou a ditar moda. Ali come-se pouco e paga-se muito... Verdadeira experiência, como bem colocado por seu anfitrião, ali não se come, se degusta. Não vale aqui citar detalhes do roteiro, nem tão pouco citar uma ou outra situação... Ainda que o trailler entregue mais que deveria, convém mergulhar de cabeça na experiência e quanto menos souber melhor. A narrativa segue o ritual dos pratos servidos até a sobremesa e vai apresentando ingredientes e comentários (ácidos e pertinentes) na tela a medida que os pratos são teatralmente anunciados. A direção do Mark Mylod e primorosa e sofisticada, vide outros exemplos (sempre a mesa) a saber, magistral cena na série Game of Thrones, uma de suas pequenas obras primas. Cumpre aqui comentar a sutileza com que o roteiro fala das classes sociais, a hipocrisia com que se sentam a mesa pessoas desprovidas do menor conhecimento e seus pseudo elogios após a refeição. A atuação dos atores é incorrigível, a começar pelo mestre Ralph Fiennes, em uma de suas melhores atuações, nos brinda com um chef misterioso e desafiador, seu olhar de serial killer enigmático é algo assustador. A revelação, no entanto, é a Anya Taylor-Joy (quem não lembra da atuação soberba e premiada em O Gambito da Rainha e a misteriosa de A BRUXA ?), essa nos encanta com sua Margot, espécie de peixe fora d´água da narrativa e grande trunfo do roteiro. Jovem e promissora atriz vem pavimentando sua trajetória com atuações de merecido e grandioso destaque. Chama-nos atenção também Nicholas Hoult na construção de seu Tyler, que vai da sutileza a revelação, segue num crescendo de forte impacto. Muitos filmes já nos encantaram, onde centrados na mesa, nos levaram a verdadeiras viagens, a saber, O Banquete, O Jantar, O Cozinheiro, A mulher e o Ladrão, para ficar em poucos e conhecidos... O MENU, no entanto, traz um sopro de vida, e com sua carga de criatividade e mistério, surpreende e assusta. Impossível assisti-lo passivamente, suas nuances, suas surpresas e reviravoltas no tempo certo e no ritmo adequado são achado de uma grande e promissora direção. As sutis e belas imagens dos pratos em contraponto ao forte apelo e rigidez imposta pelo chef  e seu emaranhado misterioso de revelações não são poucas coisas.

Em cartaz nos cinemas

Ficha Técnica:

Titulo: O MENU

Direção: Mark Mylod

Roteiro: Will Tracy

Elenco: Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, entre outros

 

quarta-feira, 30 de novembro de 2022


 

NOITE INFELIZ

VIOLENT NIGHT virou NOITE INFELIZ, que aliás tem tudo a ver com o “noite feliz” do natal, afinal a ação se passa em apenas uma noite, a véspera do natal. Com direção de Tommy Wirkola e contando coma carismática presença do David Harbour, na verdade a melhor coisa do filme, temos ai uma mistura de Esqueceram de mim com Duro de matar e uma pitada das tradicionais comédias natalinas, que, vamos combinar, é mais do mesmo e ninguém aguenta mais. Bem, a ação se passa na véspera do natal onde um Papai Noel beberrão, desencantado está a entregar os presentes, enquanto isso um condomínio de luxo é invadido e uma família tomada de assalto e feita refém por bandidos fortemente armados... Nessa hora o tradicional drama familiar da noite de natal se mistura ao sequestro e a chegada do Papai Noel que munido de um machado vai botar ordem na casa, em meio a lavagem da roupa suja.  Saindo do lugar comum e batido dos filmes natalinos, NOITE INFELIZ não deixa de ser um achado, ainda que com seus erros e acertos, e é um bom entretenimento, com pitadas ácidas de crítica social, drama meloso do dilema de Papai Noel (existe ou não?) e muita, muita porrada, justamente aí residindo seu diferencial. Há momentos de muito humor com algumas piadas acima da média que se equilibram com outras bem óbvias (mas que a média dos espectadores adora e nem percebe que estão ali a exaustão), a menininha fofa, versão feminina do Esqueceram de Mim e o Papai Noel que rouba a cena, numa atuação acima da média. Não esperem deste, mais um filme fofinho do natal. Não é... Muita porrada, muito sangue e explosões em meio a piadas e releituras outras de comédias, cujas cenas já cansamos de ver. É uma opção diferente para essa melancólica época do ano, aliás o filme sem nenhuma pretensão, entrega o que promete, sem maiores problemas. Um elenco mediano, diálogos equilibrados, lutas e confrontos bem coreografados... Uma noite de natal regada a muito sangue e porrada com final feliz e lição de moral fofa e edificante.

Ficha Técnica:

Título: NOITE INFELIZ

Direção: Tommy Wirkola

Roteiro: Pat Casey e Josh Miller

Elenco: David Harbour, John Leguizamo, Berverly D`Angelo entre outros

Em exibição nos cinemas a partir de 1 de dezembro.

 

 

 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022


 

ATÉ OS OSSOS

 

A sensibilidade do Luca Guadagnino na direção já nos ficou clara em Me Chama pelo Seu Nome, e fica ainda mais evidenciada nesse ATE OS OSSOS, onde consegue a proeza de construir uma narrativa que é em síntese uma história de amor e uma busca por um lugar no mundo, um exercício de aceitação onde nada mais nada menos o canibalismo é o elemento crucial... Baseado no livro homônimo da Camille DeAngelis, que também assina o roteiro  com David Kajganich, nos conta a história de Maren (a ótima Taylor Russell) que é abandonada pelo pai aos 18 anos. Sozinha no mundo e em crise por conta de sua condição e choque de aceitação, sai em busca da mãe... Nessa imersão (um road-movie dos melhores) em vários lugares esbarra em Lee que, apesar de frio e desligado, uma espécie de bad boy da hora, padece do mesmo mal... Ficamos aqui para evitar spoilers... Contando mais uma vez com o Timothée Chalamet (em mais uma exemplar atuação) e Mark Rylance, um coadjuvante de luxo que faz a temperatura do filme ir as alturas a cada aparição, num misto de expectativa, surpresas e deleite da fluida e perspicaz atuação, Guadagnino nos brinda com um conto de fadas, onde o canibalismo é tratado apenas como detalhe... Sua força maior e, de fato, grande achado do filme, é  a busca por uma identidade (Maren) e a descoberta do outro(Lee) em meio as adversidades. Há aqui a consciência da real condição e a impossibilidade de mudá-la... Conviver com ela ? Alimentá-la? Esqueça qualquer possibilidade do viés de terror. Ainda que com cenas fortes e explicitas (poucas) o mérito aqui é mostrá-las apenas sob outra perspectiva, através de insinuações (sons, ruídos, respirações. vozes). O filme mostra a que veio com uma explicita cena inicial e daí por diante segue num crescendo auxiliado pela bela e inspirada trilha sonora que se apodera de sons diversos, barulhos insignificantes, e toda espécie de possibilidade sonora que nos remete as imagens não vistas, soberbamente insinuadas. As atuações dos atores é um espetáculo a parte. A química entre o Chalamett e a Russel é uma beleza, acostumados a vê-lo como bom garoto, asséptico e comportado, vão se chocar com seu estilo bad boy, sujo, ferido, machucado... carente e num crescente de vulnerabilidade de magnifica construção, capazes de construir com tamanha firmeza apenas os grandes atores. A cada aparição do Rylance a película alcança patamares mais altos de excelência... Seja nos mosquitos ao seu redor ou na baba certeira que lhe escorre de tanta comoção e sentimento... Um achado. É um filme impactante, questionador sem maior aprofundamento que beire o óbvio... O canibalismo aqui não é medido, analisado ou até mesmo julgado, ele apenas é a condição. Uma condição de fato, explicitamente presente onde a consciência de sua existência é a mola motriz da busca por uma saída... Será que de fato há alguma? Com maestria e pulso forte, a direção consegue nos prender e nos surpreender numa narrativa sem saídas mirabolantes, inusitadas mudanças ou até mesmo cenas de horror gratuita... Tudo que ali está faz parte de um contexto que se explica e se potencializa a cada minuto e nos toma por inteiro, nos arrebatando no torpor que nos faz sofrer com seus protagonistas... Premiado em Veneza, ATÉ OS OSSOS ainda se dá ao luxo de nos oferecer uma bela e inspiradora fotografia, certamente há de incomodar alguns e radicalmente não agradar  tantos outros... O que não é pouco. A reflexão, no entanto, que ele nos provoca e nos inquieta é seu mérito maior... Um dos mais instigantes filmes, senão único, deste ano. Atentem para a canção final, a cereja de um bolo que certamente lhe será inesquecível.

Ficha Técnica:

Título: ATÉ OS OSSOS

Direção:  Luca Guadagnino

Roteiro: Camille DeAngelis e David Kajganich

Elenco: Timothee Chalamet, Taylor Russell, Michael Stuhlbarg, André Holland, Chloë Sevigny, David Gordon Green, Jessica Harper, Jake Horowitz e Mark Rylance

Previsão de estreia nos cinemas : 01.12.2022