quinta-feira, 20 de março de 2025


MILTON BITUCA NASCIMENTO

 

O início das gravações de MILTON BITUCA NASCIMENTO não poderia ser mais desanimador, no período pós pandemia e numa fase onde o músico não andava bem de saúde, um estado recorrente nos últimos anos e de difícil condução para um trabalho que se propunha a cobrir à turnê. Muito debilitado, Milton sequer ficava de pé, para completar um diagnóstico de Parkinson, conforme divulgado pelo seu filho complicou a situação. O que poderia ser um complicador foi facilmente resolvido, com uma direção preocupada e sensível, principalmente em não fazer grande exposição e complicar mais o seu estado de saúde. Milton é um gigante, além da potência vocal, contornou todos esses problemas e o resultado é uma das poucas homenagens que fazem valer o tamanho e a grandeza da VOZ, NUM Milton debilitado, mas não desanimado ou entregando os pontos. A proposta do trabalho, abraçada pela diretora Flavia Moraes foi registrar a última turnê mundial e em meio aos registros, inserções de depoimentos de grandes nomes da música, ai inclusos, cantores, compositores, músicos, críticos e formadores de opinião, um universo de pessoas onde a unimidade, contradizendo Nelson Rodrigues, não é burra, muito pelo contrário, muito sabia e seletiva. Certa vez Elis disse que se Deus cantasse, certamente seria com a voz de Milton, um elogio de uma inteligência que só evidencia e descreve com justiça a voz e o potencial desse monstro da música mundial, orgulho para nós brasileiros. Por onde passou (Lisboa, Londres, Veneza, Barcelona, Los Angeles, Nova York, São Paulo, Ouro Preto, Rio, Belo Horizonte) foi unanimidade... Do auto de seus 82 anos e, ainda impactado por problemas de saúde, cantou encantou. Em 2023 foi alvo de homenagem em Salvador, onde teve sua obra reverberada através de obras de 35 artistas, entre pintores, fotógrafos, desenhistas e escultores, em seguida foi tema de enredo de escola de samba entre outras homenagens ... UM ser de luz. A opção abraçada pela direção não poderia ser mais acertada. Extrapolando o roteiro de um “road movie” mais convencional, estão lá depoimentos de Milton onde fala de sua infância, sua família, seus amigos e suas influencias, depoimentos de parceiros que fizeram do Clube da Esquina um movimento e uma mudança radical na forma como música brasileira era vista no mundo e de um universo de estrela mundiais que participaram de alguma forma da iluminada trajetória do Milton. Uma opção sábia!

O filme é de uma beleza musical e fotográfica que encanta.... Estão lá seus grandes sucessos, assim como também as histórias de seu universo e suas criações, isso tudo sem falar na narração luxuosa da Fernanda Montenegro, que num aceno de humildade julgou desnecessária, debatida pelo cantor que fez questão de frisar: Deixou o filme melhor! Dois grandes nomes da cultura brasileira num encontro belo e afetuoso. A lista de artistas mundiais é grande e de peso. Estão lá: Caetano Veloso, Lô Borges, Marcio Borges, Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso, Mano Brown, Ronaldo Bastos, Chico Buarque, Gilberto Gil, Simone, Ivan Lins, Djavan, Sérgio Mendes, João Bosco, Spike Lee, Esperanza Spalding, Carminho, Herbie Hancock, Quincy Jones, Paul Simon, Stanley Clarke, Steve Jordan, Pat Metheny, Wine Shorter, entre outros. Uma verdadeira constelação estrelar! A experiência imersiva causada pelo impacto deste trabalho é de uma grandeza, beleza e sensibilidade espetacular. Um registro histórico.

Dia 10 de abril será lançado nas plataformas digitais RENASCIMENTO, uma coletânea do Milton nas vozes de Tuca Oliveira, Agnes Nunes, Lucas Mamede, Clarissa, Maro, Liniker,  entre outros ... Uma seleção de novos talentos que faz bonito!

Em cartaz nos cinemas a partir de 20.03.25

Ficha Técnica:

Direção: Flavia Novaes

Roteiro: Flavia Novaes e Marcelo Ferla

Produção: André Novaes, Augusto Nascimento, Caio Gullame, Fabiano Gullame, Larissa Prado e Ricardo Aidar

 

quinta-feira, 13 de março de 2025


VITÓRIA

 

Um daqueles filmes impactantes, cujo mote do roteiro pode parecer algo simples e muito limitado na abordagem é mero engano... A sinopse pode assim ser resumida: idosa moradora de Copacabana vive o desassossego por ter seu prédio inserido em zona de tráfico, cujos dias e noites são verdadeiros pesadelos em meio a disputa entre facções, policia, marginais e viciados... O cotidiano é o cenário constante de balas perdidas... Cansada de não obter apoio e nem mesmo escuta das autoridades policiais, decide por conta própria adquirir uma filmadora e grava tudo que acontece no bairro de sua janela...

Dirigido pelo Andrucha Waddington e estrelado pela Fernanda Montenegro, é um daqueles filmes que nos surpreendem do início ao fim. Contracenando com Fernanda, um elenco muito bacana, há momentos que nos impactam e nos emocionam tamanha é a naturalidade e desenvoltura, inclusive da criança, em alguns momentos nos faz lembrar Central do Brasil, onde Fernando da mesma forma, contracenou com um garoto, o Vinicius, em outro show de atuação. Lina (Montenegro) vive uma rotina solitária onde seus contatos são com algumas poucas clientes (ela é massagista), a vizinha de porta e o garoto que constantemente ajuda com as sacolas de compras ou em pequenos afazeres... Lina vive as voltam com ele, brindando com lanches e as vezes uma graninha, mas o maior de tudo é seu acolhimento e seu cuidado. Sua rotina só é quebrada com a gritaria e os tiros que num crescendo acaba por se tornar parte do cotidiano do lugar. Do alto de seu quase centenário de vida Fernanda pula, se agacha, se joga no chão, sem dublês, em cenas que comovem e surpreendem.... Que mulher forte e determinada. A concepção de seu personagem nos passa uma verdade incontestável, seu olhar, mais uma vez seu olhar, é algo singular, de uma força e de uma comunicação que somente monstros sagrados são capazes... A narrativa, com exceção de algumas poucas cenas, é basicamente no pequeno apartamento onde Lina vive acompanhada por suas memórias. Uma cena em particular (e existem muitas) guarda uma simbologia e uma poesia que somente grandes diretores são capazes de nos brindar, o momento em que quebra uma xícara de grande estimação... a sequência de cenas após o incidente é uma espécie de premonição da história... O juntar cacos, colar para recompor e a decepção com a percepção que os remendos (até mesmo na vida) não funcionam.... Um belo achado do filme. A atuação do garoto (Thawan Lucas) e sua evolução em meio ao envolvimento com drogas é um primor para um iniciante... Uma das pérolas do filme. A presença de Linn da Quebrada também não decepciona, seu olhar para a Fernanda é uma espécie de boa atuação aliada a uma incontida admiração (pqp... estou contracenando com um monstro da dramaturgia...parece estar pensando ela). A Copacabana mostrada não chega nem de longe com o glamour com que é mostrada pra turista se apaixonar... São becos e vielas sujos, povoados por gente assustada, cuja trilha sonora constante são tiros de revolveres e escopetas... É neste universo que uma idosa solitária transita, horas na solidão no banco em frente a praia, horas numa conturbada mobilidade em meio a correria e urgência das pessoas, horas sob o espanto dos maus tratos no mercado, horas sob a bondade e empatia que emana de seu coração, horas sob o desespero dos tiroteios... Ao termino do filme é quase impossível levantar antes de subirem os créditos, não raro lágrimas despontam sem muito controle... Poucas vezes uma realidade tão crua e bem retratada, sem sensacionalismos, e até mesmo com a beleza poética que emana dos corações empáticos e esperançosos, foi mostrada. Cumpre lembrar que a direção seria do Breno Silveira que numa fatalidade nos deixou nos primeiros dias de gravação (2022), missão passada e cumprida com louvor pelo Andrucha Waddington.

Corram para ver, vocês não vão se arrepender!!! É o cinema nacional brilhando e encantando como nunca.... Em cartaz nos cinemas.

Ficha Técnica:

Direção: Andrucha Waddington

Roteiro: Breno Silveira, Paula Fiuza

Elenco: Fernanda Montenegro, Laila Garin, Linn da Quebrada, Thawan Lucas, Alan Rocha, entre outros

 

 

 

quinta-feira, 6 de março de 2025


 

MICKEY 17


Depois de ser premiado com o

Oscar de direção e melhor filme com

PARASITA Bong Joon Ho nos entrega, em meio a muitas expectativas Mickey 17. Agora com orçamento milionário, elenco americano e muita responsabilidade e produzir uma obra a altura do premiado PARASITA, dirão alguns … Sabemos que nem sempre a banda toca assim… Com roteiro do Ho em parceria com o Edward Ashton, a sinopse pode ser reduzida assim : 

Adaptação do romance de ficção científica de Edward Ashton segue a história de Mickey 17, um “dispensável”, que é um funcionário descartável em uma expedição humana enviada para colonizar o mundo gelado de Niflheim. Depois que uma iteração morre, um novo corpo é regenerado com a maioria de suas memórias intactas.

A direção é competente e agora com uma pegada ficção científica , engrenagens futurista e, sobretudo efeitos especiais de primeira linha, a narrativa numa paleta de cores azul/acizentada em meio do clima frio nas cenas externas e nas cenas internas mergulhadas num maquinário futurista precisa centrar nas atuações para equilibrar a equação … Contando com o protagonismo do Robert Pattinson que ao lado de Mark Ruffalo e Tony Collette que bate um bolão na atuação, a narrativa tem um humor ácido que remete a situações atuais, ao mesmo tempo em que remete a um futuro controlável e manipulável … Assim como em PARASITA(de forma e contornos bem mais inteligente )a crítica social em meio ao humor ácido é construída e nos dá um recado pontual, ainda que carente de maior criatividade, uma vez que algumas tiradas de humor não funcionam a contento, ao menos para pessoas mais antenadas. Pattinson atua em dose dupla, Mickey 17 e Mickey 18, conseguindo uma atuação regular e construindo personalidades dispares, ponto positivo do filme … O casal Collette e Ruffalo beira a comédia pastelão, mas não deixam de oferecer bons momentos e personagem(dentro do contexto proposto funcionam). 

Trabalho mediano, o que mantém PARASITA, por enquanto no topo, não chega por completo a decepcionar … Nos entrega bom roteiro, boas atuações, ainda que com o gostinho de : poderia ser melhor, afinal são quase 5 anos de espera … 

Em cartaz nos cinemas 


Ficha Técnica :

Título : Mickey 17

Direção :Bong Joon  Ho

Roteiro : Bong Joon Ho e Edward Ashton

Elenco : Robert Pattinson, Mark Ruffalo, Tony Collette

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025




Um Completo Desconhecido


Cinebiografias de uns tempos pra cá viraram a bola da vez … No avalanche delas encontramos de tudo, não raro em sua maioria, as ditas “chapa branca”, biografias que douram as figuras e contando com uma forcinha dos familiares na produção são feitas quase que sob encomenda … James Mangold nos brinda agora com  um belo e inspirador trabalho: um recorte da biografia do astro Bob Dylan. A película nos traz um recorte da biografia do Dylan a partir da década de 60, quando ele surge , indo até o ápice da sua música nos festivais … Um belo trabalho que,  lastreado num elenco exemplar nos brinda com o melhor do Dylan. A vida dos grandes astros são uma verdadeira montanha russa, um amontoado de situações inusitadas e dignas de filme … Com o Dylan não foi diferente … Um jovem e talentoso compositor, idealista e visionário que se vê, ao debutar,  em meio aos interesses comerciais das gravadoras e sobretudo a fórmula pronta dos produtores que buscavam antes de tudo encaixota-los num gênero e ali permanecerem até esgotaram-se as possibilidades lucrativas … Dylan nadou contra essa correnteza e não se submeteu a essa linha … Em meio a esse embate tem uma movimentada vida amorosa, neste período envolvendo-se num triângulo amoroso onde Sylvie Russo e a conhecida e talentosa cantora Joan Baez travam um embate onde a música que os aproximou(a parceria desenvolvida com a Baez é grande  momento do filme ) é a tônica. A Joan Baez da Mônica Barbaro  é encantadora, possui uma presença iluminada, é dela as mais belas cenas musicais … A relação atormentanda ainda envolvendo a Silvie aqui num trabalho mediano da Elle Fanning que acaba meio perdida de tão rasa que é a abordagem , entra e sai sem dizer a que veio … uma das falhas do roteiro que poderia ter se aprofundado mais … Outra presença de peso é do Boyd Holbrook que nos brinda com um irretocável Johnny Cash… sua presença rouba algumas cenas tal a visceralidade com cumpre a função … Um achado … 

Único cantor a ser agraciado com um

Nobel ,  Dylan possui uma obra rica e poética que encanta e arrebata… Figura arredia hoje não desfila entre figurões da hora, mantendo-se discreto e ainda produtivo . Os méritos do trabalho do Mangold é exatamente humanizá-lo, mostrá-lo desprovido da aura de mito, trabalho que Chamalet desempenha com maestria , uma vez levando anos de pesquisas para nos brindar com um personagem autêntico desprovido de exageros e maneirismos … Sua atuação assombra  em alguns momentos (além da aparência é latente o trabalho de corpo que desenvolveu na captura dos maneirismos do Dylan), inclusive quando se permite cantar … Um ator que vem evoluindo tanto na atuação quanto nas escolhas de projetos.

É um filme para se contemplar e viajar mas canções, compreendendo esse ser de rara e iluminada criatividade … Feito sob encomenda para fãs de carteirinha, há de agradar a todos. 

Na corrida pelo Oscar, o filme concorre em 7 categorias.

Em cartaz nos cinemas.

Ficha Técnica :

Título : Um Completo Desconhecido 

Direção : James Mangold

Roteiro : James Mangold, Elijah Wald, Jay Cocks

Elenco: Timothee Chalamet, Monica Barbaro, Edward Norton, Elle Fanning, Boyd Holbrook